A segunda metamorfose do MBL para seguir influente no Brasil de Bolsonaro
Grupo lança seu braço estudantil em universidades e escolas para competir com a UNE.
Também estuda fórmulas de se transformar numa legenda, diz Pedro D'Eyrot ao EL PAÍS
São Paulo
O Movimento Brasil Livre (MBL) se prepara para a sua segunda metamorfose. Começou no final de 2014 como um grupo que se dizia apartidário e anticorrupção para pedir o impeachment de Dilma Rousseff e defender o liberalismo econômico. Missão cumprida. Depois, passou a se associar a partidos de centro-direita, como o DEM, para eleger algumas de suas lideranças para legislativos municipais nas eleições de 2016, ao mesmo tempo que se expandia nas redes e se colocava como tropa de choque de pautas conservadoras. Agora, após eleger com grandes votações alguns de seus principais líderes, desenha a sua estratégia para continuar a ser influente no Brasil do governo ultradireitista Jair Bolsonaro, a cuja candidatura só aderiu por completo no segundo turno. Para isso acaba de lançar seu braço estudantil, que competirá com a tradicional e à esquerda União Nacional dos Estudantes (UNE), assim como estuda maneiras de transformar a sigla em um partido político formal, conforme explicou Pedro D´Eyrot ao EL PAÍS.
Kim Kataguiri, Arthur do Val e Fernando Holiday, lideranças do MBL, neste ano após as eleições. KARIME XAVIER FOLHAPRESS
Há quase quatro anos, o EL PAÍS descrevia o MBL como um grupo de jovens que poderia ser facilmente confundido com uma banda de indie-rock. Na época, seus integrantes não tinham respostas para pautas como redução da maioridade penal ou aborto. Muito menos ouvia-se falar do Escola sem Partido. O tempo passou, novos membros chegaram e muitos deles passaram a usar terno e gravata conforme se filiavam a partidos e concorriam a eleições. Pautas conservadoras no campo dos costumes também foram abraçadas —a aparência descolada e o perfil de algumas de suas lideranças poderiam sugerir o contrário— ao mesmo tempo em que criavam um ecossistema de páginas e perfis na Internet que não raramente lançam mão de notícias distorcidas, fake news e difamação contra figuras públicas e jornalistas. Nem por isso se afastaram de um público mais jovem de direita que busca participação e representatividade. Nas últimas eleições, lideranças como Kim Kataguiri, deputado federal eleito por São Paulo, e Arthur do Val, deputado estadual eleito em São Paulo, estiveram entre os mais votados.
Com todo esse caminho trilhado e bagagem acumulada, acabam de lançar o chamado MBL Estudantil, que pretende estar presente tanto nas escolas como nas universidades, pautado pelos mesmos princípios do movimento: “A defesa da liberdade econômica e dos valores culturais do ocidente como a democracia, a filosofia grega e a moral judaico-cristã”, explica D'Eyrot, uma das lideranças do grupo desde o seu início.
Jovens de todas as idades poderão encontrar no website do grupo cartilhas, vídeos e outros materiais que serão produzidos especialmente para eles, "a fim de formar um exército de estudantes com pensamento liberal-conservador para que possam disseminar esse conteúdo em sala e fazer oposição a qualquer discurso da esquerda no ambiente estudantil", afirma D'Eyrot. Também poderão encontrar e formar núcleos dentro de suas instituições de ensino. Contudo, a formação de núcleos estará restrita para alunos a partir do quinto ano do ensino fundamental 2 até universitários.
A decisão de lançar a nova vertente do grupo vem num momento de avanço do projeto do Escola sem Partido na Câmara dos Deputados. O projeto, apoiado pelo MBL, é defendido como uma forma de frear a doutrinação dentro da sala de aula, mas críticos o enxergam como uma tentativa de censurar e perseguir a professores. Como o MBL Estudantil vai se posicionar com relação ao projeto e dialogar com os professores? "Um não anula o outro", argumenta D'Eyrot, para quem o projeto que tramita na Câmara "mostrará aos estudantes que eles têm o direito de receber um educação livre de vieses, que seus professores não podem utilizar os espaços acadêmicos para disseminar suas ideologias". Nesse sentido, explica, o MBL Estudantil pretende "promover uma conscientização" dos alunos. Se "os professores insistirem em levar suas ideologias para as salas, terão de debater com os alunos, que estarão capacitados para refutar suas ideias e prontos para impedir que os demais sejam doutrinados em sala de aula", argumenta.
O braço estudantil foi lançado durante o 4º Congresso Nacional do MBL, realizado em São Paulo nos dias 23 e 24 de novembro. Ainda não está claro se vai participar de eleições na União Nacional dos Estudantes (UNE) ou na União Brasileira de Estudantes Secundaristas (UBES), conforme chegou a admitir Renan Santos ao Buzzfeed: "Vamos concorrer para encerrar a UNE, abrir as contas da UNE, mostrar tudo e fechar a entidade. E, se estudantes quiserem organizar uma coisa nova, que criem após assembleia realmente democrática. E nós nem disputaremos. Eles começam algo do zero e nós saímos". D'Eyrot desconversa. Diz que não é a prioridade, mas que "pode acontecer". Em outro momento, diz que a questão ainda está em discussão e que o MBL não acredita "em uma representatividade universal dos estudantes como a UNE se propõe". E acrescenta: "Em especial, não acreditamos que este tipo de entidade deva ser financiada com rios de dinheiro público e que, ao invés de representar os estudantes, se preste exclusivamente a fazer militância de esquerda. Se pudermos acabar com a UNE, ótimo".
Por enquanto, a ideia é que seja um modelo "o mais abrangente possível". A decisão de lançá-lo veio a partir da constatação de que "os estudantes não se sentem representados por ninguém". A referência é a UNE, principal e mais antiga entidade estudantil brasileira, lançada em 1938 para representar os alunos do ensino superior. Vinculada historicamente a partidos de esquerda, foi responsável por lançar alguns de seus principais quadros na política, como o deputado federal Orlando Silva (PCdoB) e os senadores Lindbergh Farias (PT-RJ) e José Serra (PSDB-SP) —este último presidia a organização em 1964, na ocasião do golpe militar, e acabou exilado junto com outros estudantes.
"Alguém sabe dizer alguma conquista [da UNE]? Nenhum estado atingir as metas do IDEB? Queda atrás de queda do Brasil em rankings internacionais?", questiona D'Eyrot, que cita índices relativos ao ensino básico. "Nas redes sociais, milhares de estudantes pedem todos os dias a abertura de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar as contas UNE, não foi necessário muito esforço para ver o desejo dos estudantes de um movimento que faça a voz deles serem verdadeiramente ecoadas".
Na manhã do último dia 23, a fila para participar do primeiro dia do 4º Congresso Nacional do MBL, numa casa noturna da avenida Francisco Matarazzo, estava repleta de jovens aos quais o grupo pretende atrair para suas fileiras. Com ingressos esgotados, o evento proporcionou o chamado MBL Experience. O EL PAÍS não foi autorizado a estar no evento sob a justificativa de que as credenciais de imprensa haviam se esgotado, mas o Buzzfeed descreveu a novidade como uma espécie de curso de formação misturado com entretenimento em que se passou táticas e comunicação e de organização de manifestações, além de diretrizes sobre como esses jovens deveriam se portar para ganhar voz no mundo político. Em determinado momento, conta o Buzzfeed, D'Eyrot reivindicou diante de uma plateia de quase 1.000 pessoas o legado da contracultura e da rebeldia de décadas atrás. "Nós somos os punk rockers, nós somos os subversivos de hoje. Quando falamos da biologia, que existe homem e mulher, e não 50 gêneros, estamos sendo subversivos", defendeu.
"O MBL Experience faz parte de todo o universo MBL, não somente ao MBL Estudantil", explica D'Eyrot ao EL PAÍS. "Porém, como percebemos que o público mais jovem curtiu o estilo, a partir do próximo ano, nossos congressos estaduais levarão o MBL Experience por todo o Brasil (assim como diversos outros eventos que estamos organizando) com atividades para os estudantes", acrescenta.
O MBL também pretende se transformar em um partido, ainda que as fórmulas para se chegar a isso ainda não estejam definidas. Uma opção é fundar um partido do zero, o que exigiria um longo caminho a percorrer para cumprir as exigências da Justiça Eleitoral. O mais viável, segundo adiantou algumas de suas lideranças para a Folha de S. Paulo, seria adotar alguma legenda que não tenha passado na cláusula de desempenho. "Estamos amadurecendo e analisando as propostas e alternativas", explica D'Eyrot. A ideia é antiga, mas parece ter ganhado novo impulso após uma viagem do núcleo duro do grupo a um sítio em Jundiaí, onde, conforme relatou a Folha, ficaram offline para repensar as estratégias e rumos pós-eleições. D'Eyrot disse que o encontro foi produtivo, mas prefere não dar mais detalhes por agora. "Há vantagens e desvantagens em se ter um partido. Estamos amadurecendo e analisando as propostas e alternativas".
Publicamente o MBL promete manter sua independência do governo Bolsonaro, a cuja candidatura só aderiu completamente a partir do segundo turno. Antes disso, o movimento tentou alavancar o então prefeito João Doria, que queria a presidência mas acabou se elegendo para o governo do Estado. Depois, defendeu abertamente a pré-candidatura de Flavio Rocha (PRB), dono da Riachuelo. Não vingou. Com o bolsonarismo vitorioso, diz apoiar a agenda de reformas de futuro ministro da Economia Paulo Guedes, um dos convidados do 4º Congresso Nacional, ao mesmo tempo que alguns de seus membros dizem não concordar integralmente com o presidente eleito.
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