Guerra de facções dispara as mortes violentas no Norte e Nordeste
Assassinatos disparam nas duas regiões, segundo o Atlas da Violência. Entre as mulheres, aumentam os assassinatos com armas de fogo dentro de casa em todo o país
Internos durante confronto no presídio de Alcaçuz, no Rio Grande do Norte, em janeiro de 2017. REUTERS
Primeiro Comando da Capital (PCC) e Comando Vermelho (CV), duas facções criminosas surgidas respectivamente em São Paulo e no Rio de Janeiro, estão moldando a fogo e sangue o cenário da segurança pública nos Estados do Norte e Nordeste do país. As duas regiões registraram um aumento de 68% nas taxas de homicídio entre 2007 a 2017, alcançando 48,3 assassinatos a cada 100.000 habitantes. A ONU considera epidêmicos valores acima de 10 por 100.000. Os dados constam no Atlas da Violência 2019, divulgado nesta quarta-feira pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA). O banho de sangue coincidiu com o esfacelamento da aliança entre CV e PCC, e uma reorganização das relações entre elas e grupos criminosos locais no Norte e Nordeste. O maior símbolo destes confrontos foram os massacres realizados nos presídios da região, que deixaram dezenas de mortos em Roraima, Amazonas e Rio Grande do Norte em 2017.
Os Estados da região Norte e Nordeste puxaram o aumento dos números do país, que alcançou 65.602 homicídios em 2017, ante 62.517 em 2016, alta de 4,2%. O relatório aponta para a existência de dois brasis: “Dois fenômenos estão em curso no país. Ao mesmo tempo em que paulatinamente cada vez mais Estados estão assistindo à redução na taxa de letalidade, por outro lado, vários Estados das regiões Norte e Nordeste têm se confrontado com forte crescimento nos índices”.
A situação é desesperadora em alguns Estados. É o caso do Rio Grande do Norte, o mais violento do país, que viu os homicídios saltarem 228,9% no período, alcançando a taxa de 62,8 assassinatos a cada 100.000 habitantes, quase o dobro da taxa nacional que é de 31,6. Lá duelam os grupos criminosos Sindicato do Crime, aliado do Comando Vermelho, e o Primeiro Comando da Capital. A violência que começou nos presídios da região transbordou para as periferias, com pontos de droga sendo disputados pelos grupos rivais.
Em um contexto no qual o presidente Jair Bolsonaroassinou decretos que facilitam o acesso às armas, seja o porte (direito de carregar o armamento) ou a posse (direito de ter em casa), o relatório defende o Estatuto do Desarmamento como uma das principais ferramentas para frear os homicídios. “O Estatuto do Desarmamento, de 2003, mesmo tendo sido gradativamente descaracterizado a partir de 2007 por diversas emendas parlamentares conseguiu frear a escala armamentista”, diz o Atlas da Violência. Além disso, graças ao estatuto “o percentual de mortes por armas de fogo, em relação ao total de homicídios, se estabilizou”.
Outro ponto destacado pelo estudo para os dois brasis no campo da violência é a “transição demográfica rumo ao envelhecimento da população e à diminuição da presença de jovens”, as maiores vítimas de homicídios no país. “Porém, tal fenômeno ocorre de maneira heterogênea, com a região Sudeste tendo uma redução acima da diminuição média do Brasil, ao contrário dos estados do Nordeste e, em particular do Norte, onde se observa ainda um forte crescimento desse segmento [jovens]”.
Mortas em casa
Ainda segundo o Atlas da Violência, 4.936 mulheres foram mortas em 2017, o maior número registrado desde 2007. De acordo com o relatório, as mulheres estão morrendo mais, por arma de fogo e dentro da própria casa. A conclusão, que segue a tendência de outras pesquisas que levam em conta o recorte de gênero, mostra uma disparada na taxa de homicídios desse tipo nos últimos dez anos: 29,8% de crescimento.
O número talvez ajude a explicar por que entre as mulheres o porte e uso de armas tem menor apoio que entre os homens. Segundo pesquisa Ibope realizada em março e divulgada nesta segunda-feira, 82% das mulheres são contra a flexibilização do porte de armas de fogo, contra 66% entre os homens.
A desigualdade racial é outra tendência que vem sendo observada nos últimos anos pelo levantamento. Em 2017, quando 13 mulheres foram assassinadas por dia, 66% delas eram negras. O estudo mostra que, enquanto a taxa de homicídios de mulheres não negras teve crescimento de 1,6% entre 2007 e 2017, a taxa de homicídios de mulheres negras cresceu 29,9% no período. Em números absolutos, a diferença é ainda maior, já que entre as não negras o crescimento é de 1,7%, enquanto entre as negras é de 60,5% na década.
Assim como no cenário geral, o Rio Grande do Norte também é o Estado que registrou o maior crescimento de assassinato de mulheres, com variação de 214,4% entre 2007 e 2017, seguido pelo Ceará (176,9%) e Sergipe (107%). Já em 2017, Roraima respondeu pela maior taxa de homicídios contra elas, com 10,6 mulheres mortas a cada 100.000. O índice é mais de duas vezes superior à média nacional (4,7). Em 2017, um relatório produzido pela ONG internacional Human Rights Watch já colocava Roraima na cabeceira dos Estados mais violentos para as mulheres. Na época, a ONG apontava falha nas investigações e arquivamento das denúncias como um dos principais problemas no enfrentamento do feminicídio.
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