Do general Villas Bôas à reserva, a ofensiva dos militares que querem voz na política
Em meio ao furacão vivido no país desde 2013, eles vêm conquistando espaço no debate.
Muitos são ativos nas redes sociais e querem se candidatar nas próximas eleições
Villas Boas, em comissão na Câmara em julho de 2017. MARCELO CAMARGO EBC
São Paulo
Os militares brasileiros definitivamente estão de volta à arena política. Um movimento se iniciou entre aqueles que estão na reserva, os quais vêm ganhando voz junto a grupos de direita e lançando candidaturas para as eleições de outubro deste ano, e teve o auge nesta terça-feira com dois tuítes do general Eduardo Villas Boas, comandante do Exército. Na véspera do julgamento do habeas corpus do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), Villas Boas redobrou a pressão sobre o Supremo Tribunal Federal (STF) ao afirmar em seu Twitter que o Exército brasileiro "compartilha o anseio de todos os cidadãos de bem de repúdio à impunidade e de respeito à Constituição, à paz social e à Democracia, bem como se mantém atento às suas missões institucionais". Ele não citou o caso Lula textualmente nem detalhou que missões são essas. Seja como for, a manifestação do comandante da ativa sobre um assunto que diz respeito à Justiça, algo incomum em democracias, acrescenta um novo e inédito — ao menos nos últimos 30 anos pós-redemocratização — ingrediente ao furacão político vivido pelo país desde 2013.
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Segundos antes, em um primeiro tuíte, Villas Boas também questionou: "Nessa situação que vive o Brasil, resta perguntar às instituições e ao povo quem realmente está pensando no bem do País e das gerações futuras e quem está preocupado apenas com interesses pessoais?" As mensagens do general, que possui 130.000 seguidores e é considerado um grande comunicador, foram curtidas e compartilhadas por milhares de pessoas ao longo da noite desta terça. E geraram uma reação em cadeia de outros de militares de alta patente. Como a do general Freitas, comandante militar do oeste: "Mais uma vez o Comandante do Exército expressa as preocupações e anseios dos cidadãos brasileiros que vestem fardas. Estamos juntos, Comandante @Gen_VillasBoas!", escreveu em seu Twitter, que possui quase 5.000 seguidores. Já o general Pinto Sampaio, também com quase 5.000 seguidores, disse: "Como disse o consagrado historiador Gustavo Barroso: 'Todos nós passamos. O Brasil fica. Todos nós desaparecemos. O Brasil fica. O Brasil é eterno. E o Exército deve ser o guardião vigilante da eternidade do Brasil'. *Sempre prontos Cmt!!*". Por sua vez, o general Miotto respondeu a Villas Boas: "Estamos juntos meu COMANDANTE!!! na mesma trincheira firmes e fortes!!!! Brasil acima de tudo !!! Aço !!!".
A influência dos militares na reserva
As redes sociais abriram um canal direto entre a população e os militares, que vêm utilizando cada vez mais plataformas como o Twitter para se comunicar e, muitas vezes, expressar suas opiniões políticas. A busca por uma voz na política não é nova, mas até o momento se restringia aos que estavam aposentados. Em meio à crise política, eles vêm ganhando voz, buscando influência no quadro político. Além de ativos nas redes, promovem palestras e debates — e não apenas nos restritos clubes militares — , flertam com movimentos sociais de direita como o Nas Ruas e o Vem Pra Rua, e muitos até já lançam suas pré-candidaturas nas eleições de outubro deste ano. Sem as amarras impostas pelo Exército brasileiro, mas ainda gozando da patente e do prestígio por terem feito parte da instituição nas quais os brasileiros depositam mais confiança — segundo várias pesquisas de opinião —, se uniram às fileiras do anti-petismo e anti-esquerdismo, participaram das manifestações pelo impeachment da ex-presidenta Dilma Rousseff e, agora, contra o habeas corpus do ex-presidente Lula, que será julgado nesta quarta-feira pelo Supremo.
Na segunda-feira da semana passada, movimentos sociais chamaram um grupo de militares da reserva para um jantar com o objetivo de "ter uma orientação sobre a situação em que estamos vivendo", explica por telefone o general Paulo Chagas. "Eles ficaram preocupados, achando que há um golpe em curso do STF para salvar o ex-presidente. Pelo fato de nós sermos aposentados, podemos, na visão deles, constituir em um grupo de sábios anciãos. É assim que interpreto a atitude dos movimentos ao nos chamar", explica o militar, de 68 anos e na reserva desde 2006. No grupo estava, por exemplo, o general Augusto Heleno Ribeiro Pereira, que foi chefe da missão brasileira no Haiti e comandante militar na Amazônia. "Falamos que temos de esperar, não podemos nos desesperar e achar que as coisas vão degringolar, que vamos nos transformar numa ditadura do Judiciário. As coisas estão caminhando dentro da normalidade", argumenta. E acrescenta: "É lógico que a sociedade deve ser manifestar, mas sempre com tranquilidade, sem vandalismo, de uma forma veemente mas ordeira. Eles representam, na nossa opinião, a vontade da maioria do povo brasileiro".
Bastante ativo nas redes sociais, com mais de 26.000 seguidores no Facebook e quase 4.000 no Twitter, Chagas gravou um vídeo no último domingo clamando todos a irem às ruas para mostrar "que todo o poder emana do povo". Em texto publicado no seu blog, chegou inclusive a questionar a existência do atentado a tiros contra a caravana de Lula pelo sul do país. Por sua vez, o general Luiz Roberto Peret, também presente no jantar, ressalta o caráter apartidário da movimentação dos militares da reserva. Revela ainda que estes se reúnem frequentemente com os oficiais da ativa para "levar os anseios da sociedade". "E eles levam para os altos escalões da República as preocupações sobre os caminhos que estamos tomando. Isso mostra que não estamos passivos sobre o que vem acontecendo", explica. Julga que uma intervenção militar é "prematura" porque "as instituições ainda estão funcionando". Mas garante que "as Forças Armadas não ficam alheias aos acontecimentos e sempre têm um planejamento para o caos". Isso significa, diz, "que na hora em que as instituições falharem, sem dúvida terão que tomar uma atitude e intervir no processo, para em seguida retomar a via democrática".
Uma possível intervenção militar foi também ventilada publicamente por outro general da reserva, Luiz Gonzaga Schroeder Lessa. Em entrevista ao jornal Estado de S. Paulo nesta terça, defendeu esta opção caso Lula se eleja presidente da República neste ano. "Se acontecer tanta rasteira e mudança da lei, aí eu não tenho dúvida de que só resta o recurso à reação armada. Aí é dever da Força Armada restaurar a ordem. Mas não creio que chegaremos lá", disse. Horas antes dos tuítes do comandante do Exército, também afirmou: "Vejo o general Villas Boas preocupado com o estado atual e defendendo a solução pela via democrática, constitucional, pois a interferência das Forças Armadas, sem dúvida, vai causar derramamento de sangue". O Exército afirmou ao jornal que as declarações de Lessa são uma "opinião pessoal", segundo o Estadão.
Em entrevista ao EL PAÍS, o general Antonio Hamilton Martins Mourão, na reserva desde fevereiro deste ano, não fugiu da polêmica. Conhecido por suas declarações pró-intervenção militar, mesmo quando ainda estava na ativa, Mourão afirma que sua opinião pessoal tem sido muito clara: "A bola da vez está com o Judiciário, que tem que assumir a sua responsabilidade e tirar da vida pública aqueles que desviaram recursos. (...) O Supremo tem que ter sua consciência independente da pessoa que estiver julgando", argumenta ele. E se o Judiciário não corresponder a essas expectativas? "Minha opinião sobre isso também não mudou. A partir do momento que o Judiciário não exerce seu poder, ele deixa de agir em nome da ordem e da lei. Nós vamos caminhar para o caos. E só tem uma instituição capaz de impedir o caos, que são as Forças Armadas", opina. E como seria essa hipotética intervenção? "Hoje a situação é diferente, já não vivemos em Guerra Fria. Defendo um freio de arrumação, com a constituição de um grupo de notáveis para reformar nossa legislação. Mas não defendo a permanência do poder", explica. Mas não só isso: apesar de se considerar um nacionalista, defende, ao contrário do que ocorreu na ditadura militar, que o Estado encolha e que o livre mercado e o federalismo triunfem. "Em um país como o nosso, de dimensões continentais, um comando centralizado, com mãos de ferro, pode tolir seu desenvolvimento".
Mourão diz ainda que a concessão do habeas corpus a Lula não significa que ele possa ser candidato. Para que isso aconteça, argumenta, "terão que distorcer também a lei da da Ficha Limpa". Mas caso isso também aconteça e Lula se eleja, ele vislumbra a seguinte situação: "Qual é a moral que alguém que desviou recursos públicos teria diante das Forças Armadas? Ao serem comandadas por um elemento que é ladrão, é possível que ocorra sérios casos indisciplina que poderiam levar ao caos".
Algumas atitudes recentes de Mourão quando estava na ativa foram interpretados como atos de indisciplina. Em 2015, defendeu em uma palestra a oficiais da reserva "o despertar de uma luta patriótica", após tecer duras críticas à classe política e ao Governo Dilma Rousseff. Mourão foi então afastado da chefia do Comando Militar do Sul e transferido para a burocrática Secretaria de Economia e Finanças do Exército, em Brasília. Em setembro de 2017, sob Michel Temer, defendeu em evento da maçonaria uma intervenção militar. Mas dessa vez nem o Governo nem o Exército tomaram atitudes, temendo transformar o general em um mártir. Ele se aposentou em cerimônia de gala, na qual prestou homenagem ao coronel Brilhante Ustra (1932-2015), reconhecido como torturador pela Justiça Brasileira, e recebeu elogios públicos do comandante Villas Boas. Hoje, uma página no Facebook em defesa do general conta com mais de 180.000 seguidores.
Candidaturas de militares
Ao entrar para a reserva, Mourão, que tem 64 anos, prometeu, em entrevista à revista Piauí, se dedicar a eleger colegas nas eleições deste ano. Ao EL PAÍS, reafirmou sua disposição e apontou para o fato de que "grandes generais" foram congressistas tanto no Império como na República, alguns chegando inclusive a se candidatar para cargos executivos em tempos democráticos e se elegendo — é o caso do presidente Eurico Gaspar Dutra, por exemplo. Nos últimos 30 anos, ele explica, a presença de candidatos militares não se fez mais necessária. "Agora extrapolamos os limites do nossos grupos porque a sociedade está clamando por isso. Vários companheiros entenderam que tinham esse espaço e estão buscando se posicionar. Já fui sondado várias vezes [para se candidatar], mas não é minha ideia participar do jogo político partidário. A fragmentação é muito complicada e temos que dar uma organizada nisso aí", aponta.
Nem Mourão nem os generais consultados pelo EL PAÍS escondem a intenção de alçar ao poder Executivo e comandante supremo das Forças Armadas aquele que, nas últimas décadas, foi o único militar da reserva eleito pelo voto popular: o capitão, deputado federal e presidenciável Jair Bolsonaro (PSL). "Ele foi capitão há quase 30 anos. Ele já é um político escolado, o que lhe confere experiência como político. Ele vem se cercando de gente inteligente e capaz para buscar soluções, mas também mostrar que não há soluções mágicas", argumenta Mourão.
Paulo Chagas, presidente do grupo Terrorismo Nunca Mais (TERNUMA) até domingo passado, que negam as violações de direitos humanos cometidas pela ditadura, é também um dos militares da reserva que pretendem se candidatar nas próximas eleições. Apesar de ser um defensor da ditadura militar instaurada em 1964, defende a subordinação das Forças Armadas ao poder civil e diz que "qualquer iniciativa fora da Constituição é golpe". Filiado ao Partido Republicado Progressista (PRP) desde o ano passado, se mostra disposto a concorrer ao cargo de governador do Distrito Federal, mas aguarda a decisão de seu partido. "Quando passei a dar minha opinião sobre o que estava acontecendo, tive o privilégio de ser lido e escutado por um bom número de pessoas. Passei a dizer que podemos modificar o país a partir do momento em que modificamos a nós mesmos. Então fui instado a ser coerente. Passaram a dizer: 'Se nós temos que mudar nossas preferências, por que o senhor não se oferece?'. Resolvi encarar o desafio", justifica ele.
"A situação do país é muito delicada, muito crítica", opina o general Luiz Eduardo Rocha Paiva, outro que esteve presente no jantar com os movimentos sociais na semana passada. "Ficamos muito tempo só ouvindo, mas agora estamos falando também. Não estamos pleiteando nenhum papel específico, mas existe hoje uma iniciativa para, aproveitando esse momento, eleger alguns militares", explica. Ele não pretende se candidatar e se diz apartidário. Mas, ao ir para a reserva, em 2007, passou a escrever artigos para jornais, a conceder entrevistas na TV e a participar de comissões na Câmara relacionadas à Comissão Nacional da Verdade. "Não vamos ser muitos, mas se um militar como o Bolsonaro tem a projeção que tem, então outros que forem eleitos, por partidos diferentes, podem levar o tema da defesa para o Congresso nacional", afirma o militar aposentado, de 66 anos. Ele calcula que 20 militares da reserva, incluindo Bolsonaro, serão candidatos para diversos cargos em todo o país (confira a lista abaixo).
Rocha Paiva se define como um liberal conservador e acredita que temas voltados para a soberania e defesa nacional — envolvendo, por exemplo, a Amazônia e o meio ambiente — são "o principal motivo para o setor militar" tentar ser ouvido na "grande política nacional". "Com o advento da esquerda, sobretudo a partir de FHC, os militares foram sendo colocados fora do núcleo decisório do Estado. Nenhum país com projeção internacional tem o setor de Defesa tão afastado. Ficamos muito tempo longe, mas, depois que a esquerda radical saiu do poder, começamos a voltar para esse núcleo decisório", explica ele. Sob Temer, os militares ocupam um lugar de protagonismo inédito desde 1995: lideram a também inédita intervenção federal no Rio de Janeiro e voltaram a ocupar cargos relevantes no executivo, como o comando do Ministério da Defesa.
Há setores que acreditam que as posições dos militares da reserva representam o pensamento dos que seguem ativos nas Forças Armadas. Chagas diz ser "natural" e que, de fato, suas opiniões não são divergentes. "Nossas opiniões são como cidadãos. Outra coisa é a instituição militar que deve permanecer cumprindo seu dever, sua função e, na medida do necessário, dando sua opinião no canal de comando, que são o Ministério de Defesa e o comandante supremo [presidente da República]", explica. "A diferença é que eles precisam guardar pra si suas opiniões", explica. Antes, claro, dos tuítes do comandante Villas Boas com menção tácita ao julgamento de Lula.
LISTA PRÉVIA DOS MILITARES PRÉ-CANDIDATOS
Rio de Janeiro
Alagoas
Amapá
Amazonas
Ceará
Distrito Federal
Goiás
Pará
Paraná
Rio Grande do Norte
Rio Grande do Sul
São Paulo
Sergipe
Tocantins
Fonte: General Luiz Eduardo Rocha Paiva
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