Prisão de Temer revigora Lava Jato e tumultua agenda do Governo no Congresso
Detenção de ex-presidente dá vitória a procuradores e escancara embate entre "novos" e "velhos políticos". Lavajatista Bolsonaro, porém, precisa das duas alas para aprovar Previdência
Brasília
O ex-presidente Michel Temer chega à sede da Polícia Federal no Rio de Janeiro. MARCELO SAYÃO EFE
A Operação Lava Jato voltou a se impor na agenda política do Brasil nesta quinta-feira ao prender preventivamente Michel Temer. O segundo ex-presidente a dormir na cadeia na história do país é acusado de comandar uma "organização criminosa" que atuaria há 40 anos para desviar recursos públicos. A decisão contra o emedebista partiu do juiz carioca Marcelo Bretas, um ex-colega e aliado do atual ministro da Justiça, Sergio Moro. A detenção, alvo de um pedido de habeas corpus da defesa do ex-mandatário, é apenas o começo de mais um capítulo de embates entre procuradores e juízes da operação, a classe política tradicional no Congresso e o próprio Supremo Tribunal Federal.
A nova rodada de incerteza para a elite política derrubou o humor dos investidores –o Ibovespa fechou com queda de 1,55%–, com os temores de que a já complicada tramitação da reforma da Previdência ganhe mais obstáculos. O problema é que a prisão do emedebista Temer, de auxiliares e de seu ex-ministro Wellington Moreira Franco, sogro do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM), escancarou de vez as contradições na base do Governo Bolsonaro no Congresso. De um lado, ficaram os "novatos" no Parlamento, eleitos, ao lado do próprio presidente, na onda conservadora que surfou na indignação popular contra a corrupção e que apoia incondicionalmente a Lava Jato. Do outro, a pejorativamente chamada “velha política”. Neste grupo, a maioria de reeleitos, vários temem ser implicados em outros tentáculos da operação, além de se juntarem aos constitucionalistas que têm ressalvas aos métodos das investigações e aos embasamentos jurídicos usados para as detenções. O problema para Jair Bolsonaro é que, para aprovar a mudança constitucional nas aposentadorias, ele vai precisar de votos dos dois grupos.
Se não bastasse as divisões, há outra disputa em curso. Os novatos exaltam o ministro da Justiça, Sergio Moro. Ex-juiz responsável pela Lava Jato, Moro está em clara rota de colisão com Rodrigo Maia. Eles bateram boca publicamente na quarta-feira. O deputado criticou o pacote de leis anticrime enviado por Moro dizendo que ele não era prioridade e que a proposta era um “copia e cola” de outra proposição. Já o ministro disse que parte da classe política não entende a urgência do projeto. “Talvez alguns entendam que o combate ao crime pode ser adiado indefinidamente, mas o povo brasileiro não aguenta mais”, alfinetou Moro.
Em viagem oficial ao Chile, o presidente, possivelmente aliviado de ver o foco de atenção se descolar da pesquisa que mostrou sua queda de popularidade para o caso Temer, a princípio foi sóbrio: “A justiça nasceu para todos e cada um responde pelos seus atos”. Em seguida, conforme o portal UOL, fez uma avaliação mirando seus eleitores antissistema e alinhados à Lava Jato. Afirmou que o seu antecessor foi detido por causa de “acordos políticos em nome da governabilidade”. “A governabilidade você não faz com esse tipo de acordo, você faz indicando pessoas sérias e competentes para integrar o seu governo. É assim que eu fiz no meu Governo, sem acordo político", emendou, reforçando a retórica de campanha e provavelmente irritando ainda mais a outra ala de parlamentares que precisa conquistar.
Enquanto isso, no Palácio do Planalto, o presidente em exercício, Hamilton Mourão (PRTB), já rebatia as análises em circulação no mercado de que o contra-ataque da Lava Jato afetaria as votações no Congresso. Mourão descartou a hipótese, apesar de o MDB de Temer fazer parte do Governo com um ministério e dezenas de cargos de segundo e terceiro escalões. “Eu acho que não [atrapalha]. Tem ruído, vai ficar esse ruído, mas vamos aguardar, pode ser que daqui a pouco ele seja solto, vamos esperar o que pode acontecer", disse a jornalistas, segundo a Agência Brasil. Para Mourão, Temer pode ganhar, em breve, “um habeas corpus de um ministro qualquer”.
Crise crônica
Nesta quinta-feira, no Congresso Nacional, as reações à prisão de Temer e do ex-ministro Moreira Franco deixaram nítido o desvio do foco. Um dia após o Governo Bolsonaro apresentar a parte da reforma da Previdência que restava, a dos militares, poucos falavam dela.
Quem fazia oposição a Temer e hoje faz a Bolsonaro —mas não só—, reclamava da prisão do ex-presidente, por considerarem que houve uma precipitação, já que ele deveria ser preso apenas após o julgamento de seu caso, e não preventivamente, sem nem mesmo colher o seu depoimento no processo. “As coisas vão se precipitando pela notícia. Você imagina lá fora, o que vão pensar os investidores. Um impeachment em 2016. Que país é esse? Se tirou uma presidente, sem provas objetivas, se prendeu outro, sem provas objetivas, e agora, um ex-presidente preso dessa maneira”, avaliou o senador Jacques Wagner (PT-BA), ex-ministro de Dilma Rousseff e aliado do ex-presidente Lula, condenado e preso há quase um ano pela Lava Jato.
O PT, aliás, emitiu uma nota para condenar a prisão de Temer e na qual comentam que a própria Lava Jato e Sergio Moro "travam hoje uma encarniçada luta pelo poder contra o Congresso, o Supremo Tribunal Federal e a cúpula da PGR.” O texto faz referência aos reveses que a operação sofreu nas últimas semanas, quando, por exemplo, o STF determinou o envio de investigações sobre caixa 2, uma das espinhas dorsais da Lava Jato, para Justiça Eleitoral. Não à toa a ordem de prisão contra Temer emitida por Bretas faz questão de frisar que nada liga o caso à doações de campanha ilegais para tentar fugir da regra.
“Eu não sou advogado, mas não vejo nenhuma razão objetiva pra prisão do presidente Temer”, disse o senador tucano Tasso Jereissati, mostrando insatisfação também entre os parlamentares que podem ser alinhar ao Governo. “Isso é um processo de abuso de autoridade, o que vem acontecendo com alguma frequência”, criticou.
O tom era completamente distinto entre os neófitos bolsonaristas. “A notícia é maravilhosa. Demonstra que o Brasil está combatendo a corrupção. Com certeza os índices da bolsa de valores vão explodir”, dizia o líder do PSL, Delegado Waldir, ainda que tenha errado na previsão do mercado. Mesmo assim, Waldir não escondia sua preocupação com a agenda econômica e cobrava maior empenho do Governo no convencimento dos parlamentares, principalmente quanto às mudanças nas regras para os militares. “O Governo nos trouxe um abacaxi, mas a gente não tem como descascar no dente. Tem de nos dar a faca para descascar”.
O representante do PSL no Senado, Major Olímpio, também comemorou a prisão de Temer. Disse no Twitter: “O Brasil está mudando, a justiça será para todos! Grande expectativa para o povo brasileiro, estamos no caminho certo! O Brasil será passado a limpo, cadeia para todos aqueles que dilapidaram o patrimônio público brasileiro e envergonharam a política e o nosso povo”.
Os próximos dias serão de nova acomodação para avaliar o real impacto de prisão de Temer e de observação dos próximos passos ligados ao ex-presidente: será solto nas próximas horas? Se for, qual será a reação de uma parte da opinião pública irritada com o Judiciário que poda a Lava Jato? Trata-se de um ciclo crônico a que Brasília tenta se acostumar desde o início da operação, em 2014, e que já havia afetado o próprio Temer. Quando presidente, Temerencaminhava bem a votação de sua reforma da Previdência e tinha chances de aprová-la, explodiu a delação do empresário Joesley Batista, da JBS, que o implicava diretamente. O ano era 2017. Dois anos depois, e já fora do poder, ele pode protagonizar a virada decisiva para o destino da nova tentativa de mudar as aposentadorias.
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