Desespero em Suzano: “Mãe, socorro, está tendo um tiroteio aqui!”
Ex-alunos invadiram escola na Grande São Paulo. Ação cruel deixa ao menos oito mortos. Massacre, três meses depois de matança em Campinas, alimenta debate sobre flexibilização do porte de armas no Brasil
Suzano
Mulher acende vela em tributo a vítimas do ataque em Suzano. AMANDA PEROBELLI REUTERS
Quando João Victor Ramos, de 18 anos, chegou andando, sozinho, com uma machadinha cravada na parte direita do tórax, no hospital Santa Maria, em Suzano, a equipe médica ainda não sabia que ele era a primeira vítima a escapar de um massacre ocorrido momentos antes na rua ao lado. Por volta das 9h desta quarta-feira, dois ex-alunos da Escola Estadual Professor Raul Brasil —Guilherme Taucci Monteiro, 17 anos, e Luiz Henrique de Castro, 25 anos— entraram armados no local e mataram com disparos, golpes e até flechas sete pessoas, cinco alunos e duas funcionárias. Antes, tinham executado um tio de Guilherme em uma locadora de carros não muito longe ali. Depois do ataque, segundo a polícia, um deles abateu seu parceiro e depois se matou.
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"Nunca tinha visto algo parecido. João estava muito nervoso, mas indicou que havia outras vítimas, o que fez com que mobilizássemos todo o corpo clínico", conta Débora Nogueira, coordenadora do Pronto Atendimento do hospital da cidade, na Grande São Paulo. Ao longo da manhã, Débora ajudaria a atender as outras sete vítimas que deram entrada no Santa Maria, entre eles Letícia Nunes, de 15 anos, baleada na lombar e que foi transferida em estado estável para a Santa Casa de Suzano. "Mãe, socorro, está tendo um tiroteio aqui! Mãe, me socorre", enviou Letícia por áudio de WhatsApp para a mãe no momento do ataque.
Como a maioria dos alunos que estavam na escola no momento, a adolescente estava na fila da merenda, no refeitório. "Ela contou que viu dois colegas morrerem na fila, diante dela. Ela teve sorte que a bala pegou de raspão", contou, emocionada, a mãe, a dona de casa Valéria de Melo Oliveira, de 41 anos. Já Rafael, de 15 anos, fugiu pela quadra da escola, deixando até os sapatos para trás, quando escutou tiros na diretoria. "Ouvi o barulho e corri. Ainda cheguei a ver um deles atacando uma pessoa, mas só pensei em sair dali", relatou, descalço, na porta do hospital. Ele e as jovens G.P. e J.C., ambas de 16 anos, perderam o amigo Caio Oliveira. G.P. não foi para a escola nesta quarta-feira porque acordou atrasada. J.C. também estava no refeitório quando escutou os disparos. "Primeiro, pensei que era um trote, achei que estavam colocando bombinhas nos banheiros, até que vi um deles com uma arma na mão. Aí me agachei e consegui chegar, com outras amigas, até a secretaria, por onde conseguimos sair", contou ela, que também viu o outro atacante golpear um colega com um machado.
As cruéis imagens do ataque que inundaram as TVs e celulares no decorrer da tarde mostram um dos assassinos tentando usar o machado contra os alvos que conseguisse, tentando segurar, até pelos cabelos, as vítimas que corriam em disparada, tudo isso pouco depois de o primeiro da dupla entrar na escola abrindo fogo. Para aterrorizar seus ex-colegas, Guilherme e Luiz, que eram vizinhos e moravam a menos de um quilômetro da escola, usaram, além do machado, um revolver calibre 38, um arco e flecha e até uma besta (artefato que dispara flechas).
Momentos antes do ataque, Guilherme, o mais novo da dupla, postou uma série de fotos no Facebook. Aparece com a mesma roupa escura com que morreria, usando uma máscara de caveira, uma referência pop entre os grupos racistas norte-americanos, e apontando uma arma para a câmara. Antes de que a página fosse retirada do ar, a revista Época registrou que Guilherme curtia páginas como "Eu amo armas". No ano passado, havia declarado apoio ao então candidato Jair Bolsonaro. Chegou também a postar mensagens referindo-se à ideia de suicídio.
Ainda que o Brasil seja um dos países mais violentos do mundo, que registrou 64.000 homicídios em 2017 (dois terços deles realizados com armas de fogo), massacres em escolas não chegam a ser comuns como nos EUA, onde o tipo de ataque é uma verdadeira epidemia que faz o país uma anomalia no mundo desenvolvido pelo número de mortes com armas de fogo—só de janeiro a maio de 2018, o país de Donald Trump havia registrado nada menos que 23 ações do tipo em escolas.
Ainda assim, os crimes cometidos pelos jovens em Suzano, que acontece apenas três meses depois de um homem perpetrar uma matança na Catedral de Campinas, guardam uma série de semelhanças com os cometidos por Eric Harris e Dylan Klebold na Columbine High School, no Colorado, Estados Unidos, em 1999, que deixou 13 mortos e 24 feridos. Nos dois casos, tratava-se de ex-alunos que usaram diferentes tipos de armas — entre eles explosivos — e usavam roupas escuras, bonés, luvas e cinto tático. Segundo as primeiras informações da polícia, citadas pela GloboNews, há registros de que os dois buscavam na Internet informações sobre os massacres nos EUA.
Brasil de Bolsonaro e flexibilização das armas
Em meio à perplexidade e dor pelo ocorrido, os vizinhos, pais, mães e avós que se aglomeravam em frente ao colégio de Suzano bradavam contra a falta de segurança em todo o país. "Por coisas assim acredito que Bolsonaro está certo. Precisamos de armas para nos defender de monstros assim", gritava o avô de uma aluna, que saiu ilesa, e que não quis se identificar.
O eco da bandeira política do presidente de extrema direita ecoaria todo o dia e daria fôlego de vez ao debate do tema. Bolsonaro fez campanha defendendo a flexibilização do porte de armas, quando popularizou o gesto de fazer armas com as mãos, inclusive com crianças e adolescentes. Há três meses no cargo, o presidente já emitiu um primeiro decreto, que ampliou a definição de quem teria "efetiva necessidade" para ter arma em casa.
A tragédia foi a senha para que os dois lados da disputa voltassem a se posicionar. De um lado, os contrários à maior circulação de armas, citavam estatísticas internacionais: quanto mais armas, mais mortes. A esse grupo, somou-se um nome de peso, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia. “Eu espero que alguns não comecem a dizer que se os professores estivessem armados teria resolvido o problema. Pelo amor de Deus, se alguém começar a falar isso...”, disse a jornalistas. Do outro, correligionários de Bolsonaro e da chamada "bancada da bala" que diziam, como Trump nos EUA, exatamente isso, que professores armados teriam protegido os estudantes. "Fracasso e safadeza da 'farsa da política desarmamentista' que armou criminosos e impediu a legítima defesa", disse o senador Major Olímpio (PSL). O próprio presidente demorou a se manifestar, o que fez à tarde, pelo Twitter: “Presto minhas condolências aos familiares das vítimas do desumano atentado ocorrido hoje na Escola Professor Raul Brasil, em Suzano, São Paulo. Uma monstruosidade e covardia sem tamanho. Que Deus conforte o coração de todos!”, limitou-se.
Não é um tema em que Bolsonaro detenha o apoio da maioria folgada na população, segundo as pesquisas de opinião mais recentes. Em geral, os brasileiros são a favor de endurecimento de penas contra criminosos, mas não a mais armas nas ruas: 52,6% da população rejeita, por exemplo, o decreto do Governo sobre armas, segundo a pesquisa CNT/MDA.
Medo e velório
No começo da tarde, na rua Tenente José Bernardino, onde os atiradores moravam a menos de um quilômetro da escola, os vizinhos compartilhavam o choque e o luto dos familiares e amigos da vítima, mas a sensação de medo era maior. "Tenho dois filhos pequenos, só fico pensando o que teria acontecido se eles tivessem decidido sair atirando aqui na rua", comentou a residente da casa em frente ao imóvel da família de Luis Enrique.
Não haverá aulas em nenhuma das escolas de Suzano até o fim da semana. Um velório coletivo para as vítimas está sendo organizado em um ginásio da cidade. Enquanto esperam notícias das 11 vítimas ainda hospitalizadas, os quase 1.000 alunos Escola Estadual Professor Raul Brasil e seus funcionários tentarão seguir, sabendo que nada será como antes. "O portão sempre ficava aberto", diz Silmara Moraes, a merendeira de 49 anos que conseguiu proteger entre 50 e 70 alunos trancando-os na cozinha. Ela nunca tinha presenciado, até então, qualquer conflito na escola, até a matança irromper a vida de todos nesta quarta-feira.
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