Nadine Labaki será a primeira diretora árabe a ganhar o Oscar?
Cineasta libanesa luta com ‘Cafarnaum’ contra o rótulo de pornomiséria:
“Por que é ruim ter empatia com outro ser humano?” responde
Madri
Nadine Labaki e Zain Al Rafeea, o menino protagonista de ‘Cafarnaum’.
Com os anos, Nadine Labaki (Beirute, 45 anos) foi se aprofundando na dor em seu cinema. Se com Caramelo(2007) fez um filme que chamava à bilheteria, em E Agora, Aonde Vamos? (2011) começou a se voltar para temas mais sociais. Com Cafarnaum, Prêmio do Júri do último Festival de Cannes e que estreou comercialmente no Brasil em 17 de janeiro, Labaki decidiu filmar a pobreza dos emigrantes sírios em Beirute, “embora a cidade seja o de menos”, concentrando-se em um menino que acaba de processar os pais por o terem colocado no mundo. Em Cannes o filme recebeu enormes ovações, junto com ataques que o qualificaram de pornomiséria: deleite cinematográfico na pobreza. “Dói quando você faz algo de forma quase pura e o debate não se concentra no que é contado, mas que por razões alheias a mim deriva para outro lugar. Estou gritando sobre algo, me responsabilizando por torná-lo público”, disse meses mais tarde no Festival de San Sebastián, onde aconteceu a estreia espanhola do filme. “Dei tudo o que tinha. E quando você encontra essa reação, você tem um choque e questiona muitas coisas. Gosto de ouvir porque sei que não sou portadora da verdade absoluta. Mas não entendo que as pessoas sejam cínicas. Acho que é a tendência que agrada neste momento. Me dizem para conter minhas emoções. O que você está falando? Por que é ruim sentir empatia por outro ser humano e a reduzimos ao sentimentalismo? Olha, se aqueles que me atacaram têm problemas mentais, que os resolvam. Eu só desejo que esse cinismo não me mude como ser humano. Como é bonito dizer estas coisas em um café na França. Vá ver o mundo e verá que é cem vezes pior do que aquilo que eu conto, que há violações, espancamentos e abusos que o meu pudor não permitiu mostrar.”
Labaki costuma dar respostas muito longas, nas quais faz elaboradas declarações de intenções. Todo o contrário de seu Cafarnaum, centrado na dor desse menino sírio que, além disso, cuida de um bebê de uma imigrante subsaariana, e ao qual a vida não lhe dá nenhum descanso... “Geralmente começo meus filmes com um tema ou com uma obsessão. Neste caso, sabia que tinha de contar algo e que só eu poderia fazê-lo. Aquilo foi crescendo dentro de mim. Meu marido colocou uma lousa no meio da sala e me disse: ‘Nadine, por que você não escreve aqui tudo o que ferve dentro de você?’. E fiz isso: pobreza, tráfico de seres humanos, o absurdo que você só existe se tiver documentos, a situação dos trabalhadores domésticos, emigração... E aquela lousa mostrava o mundo em que vivemos. Habitamos o inferno, o caos, e isso significa Cafarnaum[cidade mencionada na Bíblia e conhecida por sua superpopulação]. Não tinha escrito nem uma palavra do roteiro, já tinha o título e, portanto, o motor do argumento.” Labaki, que também é atriz, reservou para ela o papel da advogada à qual os pais processados do menino também reservam uma frase contundente: “Como se atreve a nos julgar?”.
Com ela, a cineasta indaga a si mesma e aos espectadores: “Por que falhamos como sociedade com tanta gente? Por quê? Para entender essa pergunta, viajei para todos os lugares possíveis do Líbano e conversei com todas as pessoas que cruzei. E comecei a cogitar sobre o que essas crianças pensavam das famílias com as quais cruzava. Para mim o mais importante é que a história estivesse assentada na realidade, que não fosse outro roteiro surgido da minha imaginação. Que cada dado, cada história, cada declaração judicial fosse baseada na vida real. E é por isso que eu me lancei na investigação, e por isso realizei uma investigação exaustiva.”
Mesmo assim, a libanesa encontra um respiro: “A arte pode mudar o mundo. Claro que sim. E acredito que o mundo nunca melhorará a política, a arte fará isso”. E sobre os prêmios, que a levaram à disputa do Oscar na categoria de melhor filme em língua estrangeira — na qual o mexicano Roma parece ser claramente o ganhador — e, portanto, a ser a primeira diretora árabe que poderia consegui-lo, ela tem muito claro: “Só tem valor se você alcança mais público, se chega ao coração de mais gente”. Porque ela considera que para além da experiência cinematográfica, “Cafarnaum é uma missão”. “E nela entrou o bem-estar das crianças que participaram do filme, que agora vão à escola, estão bem cuidadas. Agora temos de ir mais longe. É um final feliz? Pelo menos para eles é feliz, mas para ninguém é um final.”
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