jueves, 11 de abril de 2019

Cem dias sob o domínio dos perversos | Opinião | EL PAÍS Brasil

Cem dias sob o domínio dos perversos | Opinião | EL PAÍS Brasil

Cem dias sob o domínio dos perversos

A vida no Brasil de Bolsonaro: um Governo que faz oposição a si mesmo como estratégia para se manter no poder, sequestra o debate nacional, transforma um país inteiro em refém e estimula a matança dos mais frágeis

Eliane Brum
Os 100 dias do Governo Bolsonaro fizeram do Brasil o principal laboratório de uma experiência cujas consequências podem ser mais destruidoras do que mesmo os mais críticos previam. Não há precedentes históricos para a operação de poder de Jair Bolsonaro (PSL). Ao inventar a antipresidência, Bolsonaro forjou também um governo que simula a sua própria oposição. Ao fazer a sua própria oposição, neutraliza a oposição de fato. Ao lançar declarações polêmicas para o público, o governo também domina a pauta do debate nacional, bloqueando qualquer possibilidade de debate real. O bolsonarismo ocupa todos os papéis, inclusive o de simular oposição e crítica, destruindo a política e interditando a democracia. Ao ditar o ritmo e o conteúdo dos dias, converteu um país inteiro em refém.
Eliane Brum | Cem dias sob o domínio dos perversosJair Bolsonaro durante cerimônia de promoção de generais no Palácio do Planalto, em Brasília.  REUTERS
A violência de agentes das forças de segurança do Estado nos primeiros 100 dias do ano, como a execução de 11 suspeitos em Guararema (SP), pela polícia militar, e os 80 tiros disparados contra o carro de uma família por militares no Rio de Janeiro, pode apontar a ampliação do que já era evidente no Brasil: a licença para matar. Mais frágeis entre os frágeis, os ataques a moradores de rua podem demonstrar uma sociedade adoecida pelo ódio: em apenas três meses e 10 dias, pelo menos oito mendigos foram queimados vivos no Brasil. Bolsonaro não puxou o gatilho nem ateou fogo, mas é legítimo afirmar que um Governo que estimula a guerra entre brasileiros, elogia policiais que matam suspeitos e promove o armamento da população tem responsabilidade sobre a violência.
Este artigo é dividido em três partes: perversão, barbárie e resistência.

1) A Perversão

Tanto a oposição quanto a imprensa quanto a sociedade civil organizada e até mesmo grande parte da população estão vivendo no ritmo dos espasmos calculados que o bolsonarismo injeta nos dias. É por essa razão que me refiro à “perversão” no título deste artigo. Estamos sob o jugo de perversos, que corrompem o poder que receberam pelo voto para impedir o exercício da democracia.
Como tem a máquina do Estado nas mãos, podem controlar a pauta. Não só a do país, mas também o tema das conversas cotidianas dos brasileiros, no horário do almoço ou junto à máquina do café ou mesmo na mesa do bar. O que Bolsonaro aprontará hoje? O que os bolsojuniores dirão nas redes sociais? Qual será o novo delírio do bolsochanceler? Quem o bolsoguru vai detonar dessa vez? Qual será a bolsopolêmica do dia? Essa tem sido a agenda do país.
Mas essa é apenas parte da operação. Para ela, Bolsonaro teve como mentor seu ídolo Donald Trump. O bolsonarismo, porém, vai muito mais longe. Ele simula também a oposição. Assim, a sociedade compra a falsa premissa de que há uma disputa. A disputa, porém, não é real. Toda a disputa está sendo neutralizada. Quando chamo Bolsonaro de “antipresidente”, não estou fazendo uma graça. Ser antipresidente é conceito.
O bolsonarismo simula a sua própria oposição, neutralizando a oposição real e silenciando o debate
Quem é o principal opositor da reforma da Previdência do ultraliberal Paulo Guedes, ministro da Economia? Não é o PT ou o PSOL ou a CUT ou associações de aposentados. O principal crítico da reforma do “superministro” é aquele que nomeou o superministro exatamente para fazer a reforma da Previdência. O principal crítico é Bolsonaro, o antipresidente.
Como quando diz que, “no fundo, eu não gostaria de fazer a reforma da Previdência”. Ou quando diz que a proposta de capitalização da Previdência “não é essencial” nesse momento. Ou quando afirmou que poderia diminuir a idade mínima para mulheres se aposentarem. É Bolsonaro o maior boicotador da reforma do seu próprio Governo.
Enquanto ele é ao mesmo tempo situação e oposição, não sabemos qual é a reforma que a oposição real propõe para o lugar desta que foi levada ao Congresso. Não há crítica real nem projeto alternativo com ressonância no debate público. E, se não há, é preciso perceber que, então, não há oposição de fato. Quem ouve falar da oposição? Alguém conhece as ideias da oposição, caso elas existam? Quais são os debates do país que não sejam os colocados pelo próprio Bolsonaro e sua corte em doses diárias calculadas?
É pelo mesmo mecanismo que o bolsonarismo controla as oposições internas do Governo. Os exemplos são constantes e numerosos. Mas o uso mais impressionante foi a recente ofensiva contra a memória da ditadura militar. Bolsonaro mandou seu porta-voz, justamente um general, dizer que ele havia ordenado que o golpe de 1964, que completou 55 anos em 31 de março, recebesse as “comemorações devidas” pelas Forças Armadas. Era ordem de Bolsonaro, mas quem estava dizendo era um general da ativa, o que potencializa a imagem que interessa a Bolsonaro infiltrar na cabeça dos brasileiros.
contínuo

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