‘Governo da confusão nacional’ de Bolsonaro inflama as ruas e amplia desgaste no Congresso
Enquanto as ruas eram tomadas por manifestações pela educação, Bolsonaro recebia na Câmara, com sabatina de ministro, o recado dos deputados de que seu apoio está fincado em areia movediça
Brasília
O ministro Abraham Weintraub entre as deputadas Bia Kicis e Joice Hasselmann. L. MACEDO CÂMARA
Se precisasse de um novo slogan, a gestão de Jair Bolsonaro (PSL) poderia passar a ser definida assim: o Governo da confusão nacional. Nas últimas semanas, ele entrou em convulsão, graças a uma mistura de decisões atabalhoadas e desencontradas com uma comunicação agressiva e totalmente fora do timing político. Como resultado, inflamou não apenas as ruas, mas também o Congresso nacional, onde já trava batalha para aprovar a reforma da Previdência, seu principal projeto. Nesta quarta-feira, enquanto estudantes protestavam contra os cortes na educação pelas cidades brasileiras—das grandes às pequenas, em todos os Estados— e eram chamados de "idiotas úteis" pelo presidente, deputados davam um claro recado de que o apoio ao Governo está fincado em areia movediça, ao sabatinarem por mais de seis horas o ministro da Educação Abraham Weintraub.
O último ministro que havia sido convocado para prestar esclarecimentos no Congresso Nacional havia sido Cid Gomes, no momento em que a ex-presidente Dilma Rousseff começava a se desgastar no parlamento. Ficou horas batendo boca com deputados e acabou demitido. A saída de Rousseff aconteceu um ano depois, em 2016, em meio a um impeachment. O mesmo fim de Fernando Collor, em 1992, último presidente a enfrentar intensos protestos estudantis. O destino a que chegou Bolsonaro é complicado: enfrenta um desgaste popular capilarizado e com potencial explosivo, ao mesmo tempo que não consegue juntar apoio no Parlamento sequer para evitar uma convocação de ministro. E tudo isso antes mesmo de completar seis meses de Governo.
A confusão teve origem há cerca de dois meses, quando um decreto presidencial e uma portaria contingenciaram 29,4% do Orçamento dos principais órgãos da União. Sem saber explicar esse bloqueio orçamentário numa área essencial para o país, o ministro da Educação afirmou que, no caso de sua pasta, que perdeu 7,4 bilhões de reais (31,4% do Orçamento próprio), a decisão tinha caráter ideológico, já que ele cortaria recursos de universidades que "cometiam balbúrdias". E, assim, acabou tragado para a fúria das redes sociais e para uma convocação para depor na Câmara dos Deputados—algo que só costuma acontecer em governos sem base de apoio sólida ou enfraquecidos.
A convocação de Weintraub (por 307 votos a 82) foi uma demonstração do esfacelamento da base de apoio de Bolsonaro na Câmara. “Quando assumiu, Bolsonaro tinha uns 200 deputados que queriam tirar selfie, gravar uma live com ele. Estávamos apaixonados. Hoje, acho que só os do PSL querem”, avaliou o governista Otoni de Paula (PSC-RJ). Segundo ele, Bolsonaro perdeu o momento correto para criar um alicerce na Casa e terá trabalho dobrado para fazê-lo, já que pouco dialoga com os parlamentares —uma crítica também comum a Rousseff.
A ida do ministro ao Plenário nesta quarta serviu para expor ainda mais o Governo. Enquanto o ministro era sabatinado, os ânimos ficaram exaltadíssimos. Deputados do PSOL, do PSL e do PSD precisaram ser contidos para não se agredirem. Ao ser provocado, Weintraub rebatia. Deu poucas respostas diretas. Não explicou os critérios para contingenciar de maneira distintas as universidades e os institutos federais. Criticou os Governos Lula e Dilma, disse que a responsabilidade pelo contingenciamento era dessas gestões e confrontou parlamentares que o provocavam. Ainda assim, afirmou que estava disposto a conversar com todos, inclusive com os opositores. “Eu dou a outra face e continuo aberto ao diálogo”. Além disso, tentou fazer uma contabilidade criativa. Dizia que o contingenciamento na Educação era de 3,5%. Mas a apresentação que ele próprio fez aos parlamentares mostra que o bloqueio era 31,4% —a diferença está na base usada para calcular os cortes; a do ministro considera o Orçamento total, o que inclui gastos obrigatórios, como o dos salários, que não podem ser cortados; o segundo, gastos não obrigatórios, ou seja, investimentos.
Nesse cenário, os embates ainda estão longe de terminar. A Comissão de Finanças da Câmara já convocou o ministro Paulo Guedes (Economia) para prestar esclarecimentos sobre a reforma da Previdência no início de junho. E há ao menos mais 84 pedidos de convocações de ministros tramitando no plenário e em comissões permanentes. Sem uma base consolidada e com articulações promovidas pelo centrão, descontente com o tratamento do Planalto, e pela oposição, dificilmente Bolsonaro conseguirá reduzir essa exposição.
Sabendo desse possível trauma, o discurso entre os bolsonaristas acabou mudando. “Podem chamar os nossos ministros, nós não temos nada a esconder”, disse o líder do PSL, Delegado Waldir, que no dia anterior tinha passado por uma saia justa com o Governo. Ele havia sido desmentido pelo Governo, ao lado de outros 11 parlamentares. Na terça-feira, um dia antes dos protestos, Bolsonaro havia prometido a eles que o bloqueio da Educação seria suspenso por uma decisão dele. Chegou a ligar para Weintraub diante dos parlamentares e deu a ordem de suspensão. “O presidente disse com clareza que não haveria mais contingenciamento”, disse o líder do Cidadania, Daniel Coelho. Minutos após essa reunião com os parlamentares, contudo, o ministério da Economia e a Casa Civil desmentiram os deputados. E Weintraub afirmou que o caso foi um mal-entendido, um “telefone sem fio”.
“Não sou mentiroso. Eu vi o presidente determinar a suspensão do contingenciamento”, afirmou o deputado Capitão Wagner (PROS-CE), que participou do encontro. Outro parlamentar que esteve na reunião, José Nelto (PODE-GO) afirmou que o presidente tem tensionado a relação com o Congresso e com a sociedade. “Essa tensão não é boa para ninguém. Enganar deputados, criar confusão com professores, estudantes e caminhoneiros é tudo o que o país não precisa”, resumiu.
Para Daniel Coelho, esses últimos episódios colocaram em dúvida a integridade de Bolsonaro e de seus ministros. Segundo ele, logo após o presidente determinar essa suspensão para Weintraub, o ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, entrou em seu gabinete dizendo que ele não poderia ser feito. “Se o presidente não comanda e ele não é seguido, fica difícil que todos nós o sigamos em outros assuntos que têm complexidade muito maior, como a reforma da Previdência.”
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