Manifestações projetam mais acirramento com o Congresso, que sonha com “parlamentarismo branco”
Insatisfação com Planalto dá mais força à tentativa de isolar presidente, que, no entanto, mostra a coesão de seu fiéis que ridicularizam Rodrigo Maia
Brasília
Faixa em Brasília.
De cima dos carros de som, os idealizadores dos atos em favor de Jair Bolsonaroraramente faziam discursos radicais, nos quais se pedia o fechamento do Congresso Nacional ou do Supremo Tribunal Federal. O cálculo, como já havia sugerido o próprio mandatário durante a semana, era de que a radicalização seria prejudicial ao presidente, por quem eles foram às ruas neste domingo, menos de seis meses após sua posse – algo até então inédito no país. Na planície, porém, era comum ouvir quem defendesse que Bolsonaro tivesse todos os poderes para decidir os rumos da nação, sem que houvesse a fiscalização do Judiciário e do Legislativo, como prevê qualquer nação democrática.
A pauta dos manifestantes pelo país era ampla. Havia os que pediam o retorno da monarquia, os que querem a aprovação da reforma da Previdência e do pacote anticrime de Sergio Moro, a abertura da CPI da Lava Toga (para investigar a cúpula do Judiciário), o fim da “doutrinação ideológica” nas escolas, o boicote à rede Globo e a outras “mídias de esquerda”. O mais forte, contudo, era um ataque ao Centrão, um grupo de partidos de centro-direita que reúne quase duas centenas de deputados e tem dado as cartas no Congresso Nacional. Também despontou como protagonista ridicularizado com cartazes e palavras de ordem o presidente do Câmara, Rodrigo Maia (DEM).
O Centrão ganhou força durante a gestão Dilma Rousseff (2011-2016), pelas mãos do então presidente da Câmara e hoje presidiário Eduardo Cunha (MDB-RJ). A ideia era unir parlamentares, independentemente de partido político, que pudessem escolher o comando das Casas Legislativas e impor sua pauta ao Governo, além de obter ministérios. Na gestão Dilma, o Centrão fez parte do Governo e depois rachou, o que foi fundamental para o impeachment dela. No Governo Bolsonaro tinha o objetivo de se tornar parte da base, mas o discurso de que não aceitaria o toma-lá-dá-cá do presidente os deixou de fora. E sem saber nem mesmo dialogar com os congressistas, Bolsonaro ficou refém desses parlamentares.
Para tentar pressioná-los a aprovar sua pauta legislativa, o presidente estimulou as manifestações de apoio ao seu Governo, por mais que isso não lhe renda nem um voto a mais na Câmara ou no Senado. “Queremos pressionar os deputados, sim”, admitiu a deputada Bia Kicis (PSL-DF). Por que o presidente transformou em inimigos nas ruas os grupos do qual depende para apoiar projetos ou mesmo para escapar de um eventual impeachment? Esse é o xadrez que será respondido nas próximas semanas.
Entre congressistas, tem crescido a tese de que, se continuar assim, daqui para frente, o presidente passará de fato por um “parlamentarismo branco”, no qual o Legislativo tocará suas pautas, independentemente do que quer o Executivo. A reforma tributária que está em andamento da Câmara é um desses exemplos. O Governo havia prometido enviar sua proposta até meados de junho para o Congresso. Notando a falta de articulação, os deputados se anteciparam e já votaram um projeto que estava nos escaninhos da Casa, o que obrigou a gestão Bolsonaro a apoiá-la, mesmo sem a garantia de que suas ideias serão incorporadas nessa reforma. A reforma da Previdência, qualquer que seja sua envergadura, também está na pauta da maioria, independentemente de Bolsonaro.
Uma leitura é que o presidente quis dar uma demonstração de força do "bolsonarismo puro", coeso e fiel, para mostrar que não vai sair barato, em termos de imagem, tentar isolá-lo para fundar um "bolsonarismo sem bolsonaro", menosprezando pautas que lhe sejam importantes. Faixas, memes e cartazes perguntavam se Maia queria mandar mais que Bolsonaro, por exemplo.
“É um protesto de malucos, alucinados. Na democracia, você não fecha Congresso, Supremo. Você troca as pessoas, faz impeachment de ministro, cassa deputado corrupto ou o troca na outra eleição”, disse o líder do Podemos na Câmara, José Nelto. Para o deputado, não deve haver só acirramento com o Congresso. O protesto deste domingo pode incentivar, ele diz, ainda mais o clima de acirramento também com os grupos que organizam as manifestações contra os cortes na Educação. Há um marcado para quinta-feira, dia 30. “O presidente parece que quer mostrar um país literalmente dividido, sendo que deveria acontecer o contrário. Ele deveria reconciliar a nação”.
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