Dólar flerta com recorde no Brasil e, na Argentina, faz juros subirem a 60% ao ano
Moeda americana chegou a valer 4,21 reais na tarde desta quinta, mas Banco Central interveio
Peso argentino caiu mais de 15%, fazendo com que o país elevasse em 15 pontos sua taxa de juros
Buenos Aires
Painel mostra a cotação do dólar na Argentina. AFP
A economia da Argentina entrou em uma espiral descendente que ninguém sabe com segurança onde terminará. Nesta quinta-feira, um dia depois de o presidente Mauricio Macri anunciar um acordo com o FMI que garante os recursos necessários para saldar suas dívidas com vencimento até dezembro de 2019, o peso argentino despencou 16%. A situação de turbulência, que também atinge outros emergentes como a Turquia, acabou contaminando os humores do mercado brasileiro, já sob efeito das incertezas do cenário eleitoral. O dólar chegou a bater 4,21 reais no fim da manhã, próximo do recorde de 4,24 reais atingido em 2015, obrigando o Banco Central brasileiro e intervir: a moeda americana fechou valendo 4,14 reais.
Na Argentina, a jornada também foi frenética. Para comprar um dólar, no início da sessão eram necessários 33,90 pesos. Menos de cinco horas depois, a moeda norte-americana já era negociada a 41,10 pesos. No final da jornada cambial, o Banco Central local vendeu 330 milhões de dólares de suas reservas internacionais e conseguiu estabilizar a cotação em torno de 38 pesos.
O Banco Central argentino decidiu disparar com munição pesada para neutralizar a escalada do dólar: aumentou em 15 pontos a taxa referencial de juros, que chegou a 60%. Essa é a taxa de juros oficial pela qual se empresta dinheiro aos bancos. Uma alta, em princípio, faz os investidores terem mais interesse em injetar recursos em papéis vinculados ao peso argentino (a rentabilidade que receberão é maior) e, por outro lado, encarece os juros de quem contrai empréstimos para investir em dólares. O objetivo é que a divisa deixe de se desvalorizar e, assim, evitar que a inflação dispare: juros mais altos também tendem a esfriar a atividade econômica e os preços. Há apenas 15 dias, o banco central argentino já tinha elevado a taxa para 45%. A medida revela a fragilidade do modelo.
Macri disse nesta quarta-feira que o FMI antecipará todo o dinheiro necessário para que o Governo evite uma moratória da dívida externa. Os recursos serão parte do resgate de 50 bilhões de dólares decidido em junho, mas agora sem necessidade de aprovar as revisões periódicas que os técnicos do organismo fazem junto aos seus credores. O anúncio foi recebido com ceticismo no mercado: nesta quarta, o peso caiu 7%, e nesta quinta voltou a registrar forte baixa. A alta das taxas é uma medida desesperada para sustentar a moeda, em meio a uma desconfiança crescente entre os investidores sobre os rumos da economia.
A única parcela do crédito do FMI desembolsada até agora, 15 bilhões de dólares, chegou em junho. Os 35 bilhões restantes estariam disponíveis ao longo da duração do acordo, sujeitos a exames trimestrais do organismo.
“Não há uma solução mágica”
A jornada de quinta-feira teve a quarta depreciação consecutiva da moeda, num cenário cada vez mais complicado. E, desde o começo do ano, o peso já perdeu 52% de seu valor com relação ao dólar. O Governo tenta aparentar calma, em meio a rumores de mudanças na equipe econômica. “Claramente não é a solução em que o presidente está pensando. Não há uma solução mágica. Estamos encaminhados a obter o equilíbrio fiscal, que é o eixo central para reduzir nossas vulnerabilidades. Há problemas, mas é preciso ver o filme, e não a foto”, disse pela manhã o chefe do Gabinete de Ministros, Marcos Peña.
A brusca alta do dólar ocorreu enquanto empresários e políticos argentinos se reuniam no encontro anual do Conselho das Américas em Buenos Aires. De lá, o ministro argentino do Interior, Rogelio Frigerio, também fez um apelo por calma: “Neste momento, nós, que temos responsabilidade política, temos que ter moderação, segurança, transmitir confiança, e não temos nenhum direito de ficar nervosos”. Frigerio estendeu o pedido aos empresários presentes: “Vocês devem fazer o esforço de olhar além do dia a dia do dólar e entender que há futuro na Argentina, e que esse futuro é muito promissor”, concluiu.
A oposição criticou com dureza a nova alta das taxas de juros, que atinge ainda mais a economia produtiva. “Para [os investidores] não irem embora, você sobre a taxa [de juros] e eles ficam um pouquinho. Mas depois de um momento dizem: com esta taxa há país viável? Não, e voltam a se mandar. Aí voltam a aumentar a taxa. Isto termina em que você precisa resetar o modelo”, disse o deputado peronista José Ignacio de Mendiguren, ex-presidente da União Industrial Argentina. “O Governo teve uma política eleitoral que lhe deu resultados. Jogou com a confrontação, com colocar Cristina [Kirchner] todos os dias do outro lado, e foi muito bem. Mas não é o mesmo ganhar eleições e governar. Hoje apareceu a Argentina real, acabou-se a Argentina eleitoral, e ele não sabe o que fazer”, acrescentou.
Entre os empresários também houve críticas. “A taxa de juros [de 60%] é um disparate”, atacou Cristiano Rattazzi, presidente da Fiat da Argentina. Rattazzi pediu que o Governo deixe de usar as reservas para frear a desvalorização e se mostrou confiante de que o mercado encontrará um valor de equilíbrio.
Nos corredores da reunião todos tinham algo a dizer. A maioria mantém o apoio a Macri, embora haja diferenças sobre as estratégias para sair da crise. No setor produtivo, acredita-se que o problema é político, e não financeiro, e há consenso sobre a necessidade de uma mudança da equipe econômica para recuperar a confiança. Os representantes dos bancos, por sua vez, pedem tempo para evitar aumentar a turbulência política.
A Argentina enfrenta um segundo semestre complicado. Precisando de financiamento para um déficit que ronda 4% do PIB, viu como se fechava a torneira do dinheiro externo depois da alta das taxas nos Estados Unidos. A alta dos juros e o aumento do compulsório bancário para reduzir a liquidez em pesos no mercado, diminuindo assim a pressão sobre o dólar, foi a ferramenta utilizada até agora pelo Banco Central para proteger a moeda nacional. Em um gesto raro, a entidade informou nesta quinta que os novos valores das taxas de juros serão mantidos pelo menos até dezembro “para garantir que as condições monetárias mantenham seu viés contracíclico”.
JUROS RECORDES NO MUNDO
Ao subir a taxa básica de juros para 60%, a Argentina voltou a bater seu próprio recorde. O segundo país do ranking, o Suriname, está a grande distância, com uma taxa de 25%, enquanto que na Turquia, o outro país emergente em crise, beira os 18%. Frente às outras grandes economias latino-americanas, as diferenças são ainda maiores: Brasil, 6,50%; México, 7,75%; e Colômbia, 4,25%. Na Venezuela, a taxa é de 20,81%.
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