No largo do Paissandu, a agonia pela busca de vítimas do desabamento de prédio
EL PAÍS contou, a partir do relato de familiares, ao menos seis pessoas que poderiam ter ficado no imóvel quando ele caiu.
Nesta sexta, bombeiros encontraram um corpo que pode ser de Ricardo, que ajudou a salvar outros moradores
São Paulo
Evaneide e Edivânia (ao lado do tio Manuel) buscam a mãe que vivia no prédio que caiu C.J.
Evaneide e Edivânia (ao lado do tio Manuel) buscam a mãe que vivia no prédio que caiu C.J.
Um dia e meio após o incêndio e desabamento do edifício Wilton Paes de Almeida, no coração de São Paulo, havia um clima permanente de angústia tanto daqueles que ocupavam o imóvel e não sabem agora onde vão morar, como dos que ainda esperam informações sobre moradores do prédio não foram localizados e que podem estar sob os escombros. Por volta das 16h desta quarta-feira, duas moças chegaram assustadas em frente à igreja Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos, perto do local do acidente e onde moradores e voluntários se aglomeram. A tensão no rosto e a ameaça de choro denunciam a agonia que vivem: elas não têm notícia da mãe, Eva Barbosa da Silveira, que vivia junto com o companheiro, Valdir, no prédio que desmoronou. “Minha vida foi abaixo. Eu vi a minha mãe ali dentro, eu sei que ela estava ali”, diz Edivânia da Silveira Vieira, ao lado da irmã, Evaneide, relembrando as imagens que viu na TV. Estava em Brasília e recebeu a ligação da sua irmã e ligou a televisão para se informar. A mãe, de 42 anos, trabalhava na limpeza na Porto Seguro, segundo conta. Valmir, o companheiro da mãe, também não foi encontrado, dizem as irmãs.
“Ela deve estar enterrada aí”, diz Manuel Barbosa da Silveira, irmão de Eva e tio de Edivânia e Evaneide, apontando para os escombros do edifício. Manuel também morava no edifício. Mas, trabalhando como ambulante à noite, não viveu a tragédia que pode ter atingido a sua irmã. “Perdi tudo o que tinha, só não perdi este celular”. Na tela do aparelho, ele mostra a imagem da irmã. Tenta acalmar suas sobrinhas, mas sabe que não é uma tarefa simples. “Minha mãe teria dado notícia, ou teria ido para a casa de um tio nosso”, diz Edivânia, que já morou no edifício também, mas mudou-se para Brasília.
A prefeitura possui um cadastro de moradores com 372 pessoas e dizia que 44 estavam desaparecidas — isto é, ou estavam no edifício, ou estavam longe dali mas não avisaram ninguém ainda. Ao longo da tarde desta quarta, um cruzamento desse cadastro com informações de familiares e amigos elevou o número de desaparecidos para 49. Nesta sexta, os bombeiros retiraram um corpo que pode ser o de Ricardo Oliveira Galvão Pinheiro, que estava sendo resgatado pelos bombeiros quando o edifício veio abaixo, numa cena dramática que o país todo viu pelas imagens de TV.
Além dele, o EL PAÍS contabilizou, a partir de relatos, outras cinco pessoas que possivelmente podem ter ficado no imóvel quando ele caiu, segundo as informações de seus parentes. Era o caso de Eva e seu companheiro, Valdir. Mas também o de Selma Almeida da Silva, 38 anos, e seus filhos gêmeos, Wender e Wener. "A última vez que falei com ela foi às nove e meia da noite", conta o vendedor Antonio Ribeiro Francisco, ex-marido de Selma. A filha do casal, que tem 14 anos, está na casa da avó, na Bahia. Mas os dois garotos, que eram filhos de Selma com outro rapaz, estavam com a mãe no edifício. "Não tenho esperança, sei que eles faleceram. Sei disso porque, quando amanhece, ela sempre liga para mim e me dá um bom dia. E até agora não entrou em contato", diz ele. "Ela era meu braço direito".
O entorno da igreja do Rosário, no largo do Paissandu, segue lotado de moradores que sobreviveram, voluntários e curiosos. “Quando eu vi as cenas do incêndio eu não conseguia parar de chorar. Então pedi à minha mãe para me trazer aqui para poder ajudar”, conta Daniel, de 11 anos. Ele mora com a mãe, Vilma, em Ferraz de Vasconcelos, município a pelo menos uma hora do local do desabamento. “No domingo, eu recebi um monte de roupas e não sabia o que fazer com elas. Quando vimos o incêndio, o Daniel me falou: 'Mãe, essas roupas é Deus nos dizendo que a gente tem de doar'. Aí ele me incentivou e viemos”, conta Vilma. Os dois pegaram um trem para seguir até a estação da Luz. De lá, seguiram a pé puxando um carrinho com as roupas para levar às famílias que perderam tudo com o desabamento do prédio.
Perto de toneladas de escombros que ainda expelem fumaça, são muitos os que se esforçam para organizar as muitas doações de roupa e comida que chegam constantemente e tentam proteger de furtos as poucas coisas que restam aos moradores. Distribuem, inclusive, fitinhas roxas para aqueles que de fato ocupavam o edifício incendiado, já que outros moradores do entorno se aglomeravam entre eles. Entre a multidão está Maria, uma mulher de pele escura, baixa e miúda. Ela não morava no edifício que desabou, mas estava ali para ajudar. Ao mesmo tempo, vive o luto por ter perdido o seu sobrinho, Ricardo Oliveira Galvão Pinheiro. O rapaz, de 39 anos, trabalhava com descarregamento de caminhão e morava no imóvel incendiado "há muito tempo". Os bombeiros tentavam resgatá-lo no momento em que o edifício caiu. Antes disso, Tatuagem, como era conhecido, havia conseguido retirar quatro crianças do imóvel. "Ele era um cara muito querido, muito popular. Fazia tatuagem, gostava de escutar rock, andar de patins... Ele era de fazer amizade com todo mundo", conta Maria, de 41 anos, enquanto enxuga suas lágrimas e é consolada por pessoas que dizem que seu sobrinho morrera "como um herói, tentando salvar vidas".
Estiveram juntos na sexta, no sábado e no domingo, recorda ela. "Falamos muito sobre a saída do meu marido da cadeia. Ele foi preso por engano", conta ela, que mora em Juquitiba, a cerca de uma hora da capital. Chegou há cinco meses para retirar um tumor do estômago. "Fiquei uma semana morando com ele no prédio que caiu, mas tive medo. A estrutura do prédio era toda de madeira e sentia que balançava. Então fui morar na ocupação do edifício Prestes Maia", conta.
Os bombeiros evitam projetar se há ou não sobreviventes. Segundo o capitão Marcos Palumbo, do Corpo dos Bombeiros, toda a estrutura do trabalho é feita para tentar buscar alguém vivo. “E se alguém está preso no subsolo? E se conseguiu ter uma entrada de ar [entre os escombros] ou um vão?”, aponta. Segundo ele, em até 48 horas as máquinas não entrarão na área das lajes pesadas. Por ora, elas estão removendo partes, para fazer uma avaliação melhor do local.
Noventa bombeiros estão fazendo buscas de forma detalhada, diz Palumbo. “Não posso fazer retirada de entulho de forma inadequada para não causar mais dano”, explicou. O fogo que se espalhou, diz ele, causou o desabamento do prédio. “Na base de concreto armado, tem a parte de pedra, areia e cimento, junto com o aço. O concreto tem capacidade de compressão. O aço, de tracionar. Se ele aquece, perde a sustentabilidade, perde a capacidade portante. E aí ele desaba”, explicou.
Enquanto isso, perto da igreja, continua a incerteza sobre o que acontecerá daqui em diante. Na tarde desta quarta, comentava-se abertamente sobre a possibilidade de que os ocupantes do edifício fossem levados para o Centro de Inclusão pela Arte, Cultura, Trabalho e Educação (Cisarte), localizado no número 111 do Viaduto Pedroso, no bairro de Bela Vista. Funcionários da Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social (SMADS) tentavam convencer lideranças, mas moradores resistiam em deixar o lugar, que estava cheio de colchões, roupas, lonas e barracas. "O povo está com medo de ir para um albergue e ficar esquecido", argumenta Maria, a tia de Ricardo. Perto dela, uma mulher acrescenta: "Eles querem nos levar para um albergue. Se a gente vai pra lá, eles não vão ajudar mais. Quem for pra albergue, vai perder moradia. A gente não quer só comida e roupa, a gente quer uma casa que perdemos. A gente perdeu uma casa. A gente quer uma coisa pra dormir, pra ter nosso sossego".
Uma freira da igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos segue apressada ao lado de voluntárias da organização Caritas. Questionadas se o volume de pessoas não era algo inesperado para a igreja, elas desconversam. “Eles têm direito de estar aí, essas pessoas têm direito de cobrar moradia”, diz uma delas antes de seguir adiante, para ajudar a separar as roupas e alimentos que chegaram e para acolher os moradores que ficaram sem nada.
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