Os segredos da estratégia da extrema direita: Vox com a cartilha de Trump e Bolsonaro
Eles compartilham contatos. Contam com sites que, antes das eleições, compartilham conspirações e conteúdos falsos. Obtêm dinheiro dos mesmos fundos. Usam o mesmo vocabulário. E estão convencidos de que, juntos, algum dia, vencerão
Amanhece na zona rural espanhola. Um homem caminha em câmera lenta, corre e pula uma cerca. Como em um filme de Hollywood, o homem atravessa um campo de trigo enquanto roça as espigas com as mãos. Ao fundo soa uma música enquanto uma voz narra: “Se você não ri da honra porque não quer viver entre traidores... Se você anseia por novos horizontes sem desprezar suas origens... Se você mantém intacta sua honradez em tempos de corrupção...”. Nasce o sol. O homem sobe um caminho íngreme, atravessa um rio e é pego por uma tempestade. “Se você sente gratidão e orgulho por aqueles que, de uniforme, guardam o muro... Se você ama sua pátria como ama seus pais...”. A música atinge o clímax, o homem está no topo da montanha e a voz culmina: “... você saberá que está conseguindo fazer a Espanha grande outra vez”. As últimas palavras que aparecem na tela são “Fazer a Espanha grande outra vez”.
Santiago Abascal, líder do espanhol Vox, ao chegar em um comício no dia 24 de abril. PACO PUENTES
O slogan é a versão espanhola do “Make America Great Again”. O homem é Santiago Abascal, e isto, é claro, é uma propaganda do Vox, o partido político que mais cresce na Espanha. Nas eleições gerais de 2016 — o ano do vídeo —, o Vox, com seu nacionalismo espanhol de macho alfa e cinematográfico, não conquistou uma única cadeira. Pouco depois, um site espanhol publicou um artigo que perguntava: “Por que ninguém vota em Santiago Abascal?”. Mas em 28 de abril deste ano, o apoio ao Vox entre o eleitorado passou de 0% a 10%: ganhou 24 deputados no Congresso. Sua ruidosa presença na campanha eleitoral ajudou a impulsionar a participação a um de seus níveis mais altos em anos, já que os espanhóis estavam ansiosos para apoiar o Vox ou votar contra.
Como isso aconteceu e o que isso tem a ver com o caso de Donald Trump? A velocidade da explosão do Vox é, em muitos aspectos, uma história exclusivamente espanhola, marcada por uma reação nacionalista a uma crise separatista regional, pelo crescimento da polarização e da fragmentação do que costumava ser um sistema bipartidário. O colapso econômico de 2009 reduziu a confiança nos partidos políticos tradicionais e levou a uma forte reação da extrema esquerda. O Vox é o contragolpe.
No entanto, sua história também pertence a uma visão mais global e ampla das estratégias de campanhas tradicionais e digitais desenvolvida pela extrema direita europeia e pela direita alternativa norte-americana (alt-right) que agora é usada em todo o planeta. O uso das redes sociais para agudizar a polarização, os sites criados especificamente para alimentar narrativas polarizadas, os grupos privados de fanáticos que compartilham teorias da conspiração, uma linguagem que enfraquece deliberadamente a confiança em políticos e jornalistas “convencionais”: tudo isto também ajudou o partido que quer “fazer a Espanha grande outra vez” abandonar a periferia e se tornar conhecido. Ao que se deve acrescentar que conta com financiamento em parte de origem estrangeira que não lhe chega diretamente, mas é canalizado através de organizações com as quais compartilha opiniões, uma forma de financiamento político que é familiar aos norte-americanos, mas nova na Europa.
Em março e abril, pouco antes das eleições de 28 de abril, fiz algumas viagens a Madri para conversar com militantes do Vox e outras figuras, incluindo ex-líderes do PP, de centro-direita, e do PSOE, de centro-esquerda, os dois partidos que dominaram a política nacional durante três décadas desde a Transição. O sentimento na capital espanhola era um pouco como o que havia em Londres logo antes do referendo do Brexit ou como o de Washington antes da vitória de Trump. Tive uma forte sensação de déjà-vu: mais uma vez, uma classe política estava prestes a ser atingida por uma onda de ira.
No outrora previsível mundo da política espanhola, isso representa uma mudança considerável. Em 2018, jornalistas e analistas espanhóis perguntavam por que, na Espanha, ao contrário da França e da Itália, não havia partidos de extrema direita. Muitos supunham que o fantasma da ditadura de Franco, que culminou apenas nos anos setenta, era o responsável por essa “exceção espanhola”. Enquanto ninguém politicamente ativo hoje na França ou na Alemanha lembra de Vichy ou dos nazistas, uma grande quantidade de espanhóis lembra hoje do nacionalismo ostentoso de Franco, que nos comícios usava o lema “Arriba Espanha!” e, por essa razão, sempre o rejeitaram.
Mas durante o ano passado, o Vox quebrou esse tabu. Em sua conta no Twitter, Abascal publicou uma série de tuítes que começou na primavera de 2018 e continua até hoje. Cada tuíte tem um link de um vídeo ou de uma fotografia de um recinto repleto de gente. Os tuítes mais recentes têm a hashtag #EspañaVivae comentários eufóricos. Esses tuítes mais os constantes ataques do partido às “falsas” pesquisas de opinião dos meios de comunicação “parciais” tinham um propósito: fazer com que qualquer seguidor do Vox sentisse que fazia parte de um movimento enorme. Abascal fala de um “movimento patriótico de salvação da unidade nacional” e, de alguma forma, era isso.
Alimentado por separatismos
O vice-secretário do Vox, Iván Espinosa de los Monteros, vem de uma rica família da nobreza espanhola. Quando o Vox ataca “as classes dominantes”, refere-se aos meios de comunicação e às classes políticas, não à alta burguesia ou a sua classe empresarial. Ainda mais importante é o fato de que Espinosa é um usuário especialista em redes sociais, assim como sua esposa, Rocío Monasterio, que também é política do Vox.
Eu segui os dois no Twitter durante um tempo e notei o quanto eram eficientes criando espetáculo. Por meio do Twitter, Espinosa convocou um protesto público quando uma universidade de Madri, sua alma mater, cancelou uma conferência que ele faria. Monasterio acumulou milhares de likes por declarar que iria boicotar qualquer mobilização relativa ao Dia Internacional da Mulher e depois por tuitar um vídeo em que enfrentava feministas irritadas manifestando-se com imagens de mulheres e homens de mãos dadas.
Espinosa também é responsável pelas “relações internacionais” do partido, e a mensagem principal que quis me transmitir foi sobre a natureza excepcionalmente espanhola do Vox. Tomando o café da manhã em um café em Madri que, segundo disse, não fica longe de sua empresa imobiliária, afirmou que o Vox tinha muito pouco em comum com outros partidos europeus de “ultradireita”. “O Vox é frequentemente e facilmente associado a outros partidos e a coisas novas que estão acontecendo em outras partes do mundo... mas não é realmente verdade.”
Em vez disso, argumenta que o Vox surgiu em grande parte por causa do fracasso da Espanha em lidar com seus prolongados conflitos regionais. Abascal, ex-membro do Partido Popular (PP, de centro-direita), é natural do País Basco. Seu pai, também político do PP, era amplamente conhecido como alvo do ETA, o grupo terrorista basco. Por essa razão, afirma ter uma pistola Smith & Wesson consigo o tempo todo, um hábito inusual na Espanha que fez com que ganhasse o carinho de uma pequena minoria de proprietários de armas. No entanto, a crise da secessão catalã, iniciada em 2017, foi o que colocou o Vox no centro da política espanhola. José María Aznar, ex-presidente do Governo de centro-direita, me disse que o Vox era “uma consequência da inação do Governo durante o golpe de Estado da Catalunha”, e quase todos com quem falei em Madri disseram mais ou menos o mesmo.
No hay comentarios:
Publicar un comentario