Mobilização por educação confronta bolsonaristas nas redes e testa força nas ruas
Movimentação no Twitter contra cortes de verba supera a da Previdência e lidera contra-ataque à difamação no WhatsApp. Governo sofre derrota e ministro terá de falar a deputados nesta quarta
São Paulo
Estudantes durante protesto em São Paulo contra o corte de verbas para as universidades. CAMILA SVENSON
Os cortes de verbas nas universidades públicas e o cancelamento de mais de 3.000 bolsas de pesquisa anunciados pelo Governo Federal no fim de abril desencadearam intensas manifestações de usuários nas redes sociais e começaram a movimentar as peças de um tabuleiro político virtual até então dominado por bolsonaristas. Desde que o ministro Abraham Weintraubdisse que cortaria recursos de universidades que promovessem "balbúrdia" em vez de melhorar o desempenho acadêmico, no dia 30 de abril, o WhatsApp foi infestado por imagens e mensagens que ridicularizavam essas instituições, muitas delas de teor sexual. A ação foi orquestrada por grupos mais alinhados à direita, avaliam pesquisadores que monitoram manifestações políticas nas redes sociais desde as últimas eleições, quando o fenômeno mudou de escala no Brasil. Pela primeira vez, no entanto, essa rede de apoio ao presidente encontrou uma resistência mais forte, a partir de uma contranarrativa da comunidade acadêmica, que começou a compartilhar suas experiências pessoais e produções na universidade, principalmente pelo Twitter. A movimentação em torno do tema rivaliza com um debate mais antigo e também crucial para o Governo: o da reforma da Previdência.
Para os pesquisadores, trata-se de um índice não desprezível do movimento, que começa a confrontar a hegemonia virtual dos bolsonaristas e tem seu teste de força nas ruas nesta quarta-feira, nos diversos protestos marcados para acontecer todo o país em defesa da Educação e contra os cortes de verbas nas universidades federais. São mais de 7 bilhões de reais congelados em todos os níveis educativos, incluindo o não repasse de 30% do orçamento não obrigatório das instituições de ensino superior. A mobilização cresceu na esteira da greve nacional de um dia já convocada por professores contra a reforma previdenciária e a organização das manifestações não está apenas nas redes sociais, mas também nos tradicionais espaços de mobilização, como sindicatos e assembleias universitárias. Os partidos políticos, porém, têm se mantido comedidos até agora, ainda que apoiem os atos, numa tentativa de criar uma rede de coalizão e atrair novos atores em um momento político que segue marcado por uma forte polarização. A movimentação ganhou a esperada adesão da UNE (União Nacional dos Estudantes), mas também endossos menos óbvios, como das principais universidades estaduais de São Paulo (USP, Unicamp e Unesp) e de uma série de colégios particulares da capital paulista, a maior cidade do país.
Um dia antes do ato geral pela educação, o ministro Weintraub ignorava o desgaste do Governo com as ações anunciadas para as universidades e defendia a presença policial nas instituições, que segundo ele não poderiam confundir autonomia com soberania. O Governo ainda veria a mobilização em torno do tema virar uma arma dos parlamentares da Câmara, inclusive governistas, insatisfeitos com a relação do Planalto com o Congresso. De surpresa, a oposição e nomes do Centrão (entre eles PP e MDB), aprovaram por 307 votos a 82 convocar o ministro dar explicações aos 513 deputados nesta própria quarta-feira.
Balbúrdia e contra-ataque
A derrota do Governo esquentou ainda mais o ambiente virtual. Bolsonaro mencionou, algo enigmaticamente na semana passada, que o Governo deveria se preparar para um "tsunami" nos próximos dias. A mobilização pela educação pegou a deixa e transformou em hashtag do Twitter, que ficou entre os temas mais comentados da rede na véspera dos protestos. "As plataformas de redes sociais hipervalorizam as posições individuais, e é mais difícil levar essas pessoas que se manifestam para as ruas. Vai ser um grande teste", diz Fábio Malini, do Laboratório de Estudos sobre Imagem e Cibercultura (Labic), da Universidade Federal do Espírito Santo.
Malini monitorou as publicações no Twitter sobre os cortes nas universidades entre os dias 3 e 10 de maio. E constatou que as reações sobre o assunto se aproximavam daquelas relacionadas à reforma da Previdência na rede social. Nesta semana, os cortes na Educação superaram a Previdência, segundo ele. O pesquisador ainda estima que apenas 8% das interações sobre o assunto no Twitter apoiavam o contingenciamento do Governo. Malini diz que o compartilhamento de experiências afetivas e individuais acabou atraindo usuários menos politizados e mesmo simpatizantes de Bolsonaro ao movimento em favor da Educação. "Os estudantes que não eram engajados na política estão se engajando contra os cortes [nas universidades]. Sobretudo no Twitter, que tem maior relevância hoje que Facebook e que o próprio WhastsApp, que a gente sabe que teve uma relevância importante nas últimas eleições, mas que atinge uma população mais idosa, de 60 anos pra cima", afirma.
Do WhatsApp vieram outras informações sobre o clima da opinião pública. Uma base de dados mantida pelo pesquisador Fabrício Benevenuto — professor de Ciências da Computação da UFMG e criador do projeto Eleições sem Fake — monitora aproximadamente 350 grupos de WhatsApp desde as eleições. A plataforma, à qual o EL PAÍS teve acesso, demonstra que houve um boom de imagens e memes contra as universidades públicas após o anúncio de contingenciamento feito pelo ministro Weintraub. A maioria dos conteúdos que começaram a ser massivamente compartilhados a partir do dia 30 de abril e tiveram maior pico de distribuição nos dias 2 e 3 de maio, tem teor sexual e contém imagens com supostos estudantes nus no ambiente universitário, além da publicação de teses e monografias alvo de críticas por um conteúdo considerado ideológico e, portanto, um "desperdício" de recursos. O tema dominou, durante dias, as mensagens mais compartilhadas nestes grupos. As publicações das imagens, sem contextualização, teriam o objetivo de embasar os argumentos do Governo de que há "balbúrdia" e "doutrinação marxista" nesses espaços.
"A gente percebeu com uma certa clareza que houve um ataque orquestrado [contra as universidades]", afirma Sérgio Deliconi, diretor da análise de consultoria AP/Exata, que também acompanha como os bolsonaristas atuam nas redes sociais desde as eleições, a partir de suas interações sobre temas relacionados ao Governo. Deliconi não tem dados específicos sobre o aumento das interações sobre o tema, mas analisa que os grupos bolsonaristas no WhatsApp seguem mobilizados (embora em escala menor do que nas eleições) para defender o Governo, publicando conteúdos em apoio ao presidente e suas pautas. O discurso, porém, já não tem a mesma influência que tinha no período eleitoral. "Os bolsonaristas estão bem receosos, a gente observa isso nos grupos do WhatsApp. O que eu tenho percebido é que a bolha Bolsonaro tem falado cada vez mais para ela mesma, tanto que os índices de reprovação do presidente vêm crescendo. E eles realmente estão falando com um discurso radical que tem ficado ali", avalia Deliconi.
É neste contexto que o movimento em defesa do investimento nas universidades federais e na Educação começa a ganhar força no confronto de narrativas que, desde as eleições do ano passado, são disseminadas (e dominadas) por bolsonaristas nas redes sociais, especialmente no WhatsApp. As publicações que ridicularizavam as universidades e as declarações do ministro da Educação provocaram uma reação da comunidade acadêmica, que iniciou no Twitter uma campanha na qual professores, alunos e ex-alunos compartilhavam suas experiências acadêmicas e pediam mais recursos para as pesquisas em vez dos cortes impostos a instituições que já funcionavam com carência orçamentária.
Deliconi avalia que as pessoas envolvidas nas universidades se sentiram agredidas e incomodadas com postagens e discursos de teor mais moralista e reagiram com a publicação de vivências positivas ignoradas nas narrativas dos apoiadores do Governo. O analista concorda com Malini, do Labic, e diz que essa reação foi forte porque envolveu atores que não estavam imersos no debate político radicalizado das redes. "O que acontece nas redes é uma guerra de retórica, pela narrativa. Neste momento, temos grupos fortes de direita que impõem uma narrativa desde as eleições, mas agora há um grupo opositor mais articulado", diz. E complementa: "Os grupos vitoriosos na eleição foram mais competentes, mas outros grupos perceberam e já começam a usar essas ferramentas também. O tabuleiro político está se recolocando [nas redes sociais], mas isso é um processo".
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