Como Portugal se tornou referência mundial na regulação das drogas
Há 20 anos o país descriminalizou o consumo de entorpecentes, o que reduziu o consumo de heroína e cocaína e diminuiu a incidência do HIV
Porto
As drogas entraram com força em Portugal quando terminou a ditadura. Talvez porque fosse um país isolado, reprimido, pouco atraente para o turismo na época... os entorpecentes chegaram na década de setenta junto com a liberdade para criar uma verdadeira crise social. “Não havia família sem algum viciado”, lembra João Goulão, diretor do Serviço de Intervenção de Comportamentos Aditivos e Dependências (SICAD). Os Governos democráticos tentaram resolver o problema com mão dura: tolerância zero com traficantes, e também com consumidores, sobre os quais caía o peso do sistema penal se fossem pegos em flagrante. Mas a situação só piorava: o consumo crescia no mesmo ritmo das doenças infecciosas e da superlotação das prisões. Até abril de 1999. Há 20 anos, o país deu uma guinada em suas políticas e tornou-se uma referência mundial.
Mario, de 53 anos, consome crack na Casa Velha, nos arredores do Porto. STEVE FORREST HRI / WORKERS' PHOTOS
Foi então que o Governo aprovou uma nova estratégia que começaria a ser implementada dois anos depois, após longos debates com a sociedade civil e no Parlamento. A legislação estava longe de ser revolucionária: descriminalizar o consumo daqueles que portassem no máximo 10 doses de uma determinada substância ilícita. Não muito diferente do que acontece na Espanha, por exemplo. Mas o que fez a diferença foi a mudança de sensibilidade em relação aos viciados: deixaram de ser tratados como criminosos, receberam programas de cuidados, de substituição de heroína por metadona, foram incluídos no sistema de saúde para tratarem suas doenças. Os resultados não demoraram a chegar. Apesar de o consumo global de drogas não ter diminuído, o de heroína e cocaína, duas das mais problemáticas, passou de afetar 1% da população portuguesa para 0,3%; As contaminações por HIV entre os consumidores caíram pela metade (na população total, passaram de 104 novos casos por milhão ao ano em 1999 para 4,2 em 2015), e a população carcerária por motivos relacionados às drogas caiu de 75% a 45%, segundo dados da Agência Piaget para o Desenvolvimento (Apdes).
José Queiroz, seu diretor, define essa política como “uma abordagem humanista que não julga e se baseia na confiança e no relacionamento com as pessoas. A lei estabeleceu as bases, mas de pouco teria servido se não tivesse sido acompanhada de medidas sociais e recursos destinados a serviços do que se conhece como redução de danos, isto, é mitigar na medida do possível as consequências negativas das drogas de uma perspectiva que não se baseia tanto na perseguição, mas na informação, no atendimento médico e nos serviços aos dependentes. Os mais frequentes são oferecer material esterilizado para aqueles que injetam, metadona para aqueles que procuram abandonar o vício em heroína, espaços de consumo supervisionados (também conhecidos como narco-salas) ou, de acordo com tendências mais recentes e progressistas, centros onde examinar as substâncias para que os usuários saibam exatamente o que colocam no corpo. Cada vez mais países, através de ONGs, oferecem esse serviço em lugares de lazer, como festivais de música, e pouco a pouco estão abrindo sedes fixas, como no próprio Portugal, na Holanda ou na Suíça.
No hay comentarios:
Publicar un comentario