“A Venezuela é um dos nossos aliados mais importantes”, diz vice-ministro das Relações Exteriores russo
Serguéi Riabkov afirma que o Kremlin assessora e interage continuamente com o Governo de Maduro
Moscou
O vice-ministro das Relações Exteriores russo, Sergei Ryabkov, em maio de 2018, em Moscou. MIKHAIL POCHUYEV MIKHAIL POCHUYEV/TASS
Depois de anos de aliança e com a Venezuela mergulhada em uma profunda crise econômica, social e política, a Rússia não vê Caracas e Nicolás Maduro como um parceiro necessitado. “Acredito que somos iguais nessa aliança”, diz Sergei Ryabkov, vice-ministro das Relações Exteriores da Rússia.
“As boas intenções de Trump são seguidas por muito pouca ação”
“A Venezuela se tornou um dos nossos parceiros mais importantes, não apenas estratégicos, mas também aliados”, insiste. Ryabkov (Moscou, 59 anos), um peso-pesado da política externa russa, visitará Caracas na próxima semana para participar da reunião de países não alinhados. Uma viagem de agenda, diz Ryabkov, mas que foi percebida de fora também como uma demonstração de apoio ao Governo de Maduro.
“Nós apreciamos sinceramente como nossos amigos venezuelanos nos apoiam em um amplo leque de temas, de como votam conosco em várias resoluções na Assembleia Geral da ONU até como devemos dirigir o que espero que seja uma resistência internacional mais unificadas às sanções extraterritoriais dos EUA”, disse em uma entrevista em uma das salas cinzentas do edifício histórico do ministério das Relações Exteriores em Moscou.
A Rússia, segundo credor do país latino-americano – depois da China–, se tornou um dos principais apoios de Maduro, agora que mais de 50 países – entre eles os EUA e a maioria dos europeus– reconheceram o presidente da Assembleia Nacional, Juan Guaidó, que se autoproclamou presidente em janeiro. A Rússia vem acusando Washington há meses de manobrar para desestabilizar o país latino-americano.
“Interagimos continuamente com a Venezuela, não apenas fornecendo ajuda econômica pela difícil situação que vive, como também assessorando e compartilhando conselhos”, diz Ryabkov. Moscou e Caracas têm importantes acordos no setor de petróleo e energia; também no de mineração. Além disso, a Rússia, com uma poderosa indústria de defesa, vende armas à Venezuela desde 2001 e mantém “acordos de cooperação técnica militar” com o país latino-americano. Acordos “transparentes, configurados em termos muito precisos” tanto dentro da legislação russa quanto da internacional, defende Ryabkov, responsável ministerial pelas relações com a América.
Moscou enviou uma centena de soldados à Venezuela para “assessorar” o Exército venezuelano, gesto que alimentou as suspeitas da comunidade internacional. Além disso, várias informações indicam que empresas privadas russas enviaram paramilitares à Venezuela, algo que o Kremlin sempre negou categoricamente. “Damos assistência ao equipamento que foi adquirido pela Venezuela ao longo dos anos”, diz o vice-ministro russo. “Nenhum fornecimento de equipamento militar russo à Venezuela constituiu, em nenhum momento, uma mudança no equilíbrio de forças na região”, enfatiza.
Ryabkov defende esses acordos e afirma que a abordagem da Rússia é “tremendamente responsável”, e que existem disposições que “evitam radicalmente” que o material que fornece a Caracas “acabe em mãos de pessoas que não estejam suficientemente controladas pelos Governos da região”.
O vice-ministro das Relações Exteriores acusa os EUA de espalharem a ideia de uma possível intervenção militar para desequilibrar o país. “Estamos preocupados com uma melodia contínua de Washington, onde há uma tendência a falar que todas as opções estão sobre a mesa e nada pode ser excluído. Isso cria deliberadamente uma sensação de incerteza, do que é possível e do que não é em termos de participação dos Estados Unidos”, afirma.
Para Ryabkov, a única possibilidade agora sobre a mesa é o diálogo. “O Governo do presidente Maduro mostrou muito boa vontade”, comenta. “Algumas pessoas da oposição mostraram menos inclinação a participar”, acrescenta. A Rússia, que participa do processo de diálogo norueguês, se oferece como mediadora há tempos, e à pergunta sobre se conversaram com a oposição, incluindo Juan Guaidó, o ministro evita responder diretamente. “Não nos fechamos a manter qualquer contato. No entanto, dizer que mantemos um diálogo ou contatos diretos seria apresentar a nossa posição de maneira equivocada”, diz. “Tivemos contatos, uma comunicação de ida e volta; com nossos amigos do Governo venezuelano e outros também”, afirma. Mas define o assunto como “muito sensível e delicado”. E isso “requer que não o tornemos público e trabalhemos com discrição”, aponta.
“Interagimos continuamente com a Venezuela, não apenas fornecendo ajuda econômica pela difícil situação que vive, como também assessorando e compartilhando conselhos”
Na semana passada, a ONU, depois de uma visita à Venezuela de sua Alta Comissária para os Direitos Humanos, Michelle Bachelet, tornou público um relatório demolidor no qual mencionou graves violações e também de violência e abusos policiais. Um ponto que outras organizações de direitos civis e humanitárias já denunciaram. Ryabkov diz que a Rússia acompanha de perto a situação no país latino-americano e que já emitiu sua análise “nos formatos apropriados, fundamentalmente em Genebra”. E acusa organizações, como as Nações Unidas, de falta de neutralidade. “Em muitos casos, essas estruturas funcionam no terreno político”, afirma.
“A melhor maneira de abordar as possíveis preocupações [sobre os direitos humanos na Venezuela] é o diálogo direto com as autoridades, com o Governo. Eles devem ter o direito de responder, de falar. E não deve ser exclusivamente uma via de mão única só com críticas e sem considerar as respostas e ações empreendidas pelo Governo nessa área”, ressalta.
Em maio, os Estados Unidos disseram que tinham mantido conversações com figuras-chave do regime de Maduro para deixá-lo cair e que este tinha planos de abandonar a Venezuela, mas que Moscou o impediu. Ryabkov nega categoricamente “qualquer discussão desse tipo entre Moscou e Caracas”. E acusa Washington de “injetar” no discurso público “peças de informação que nada têm a ver com a realidade”. “Vemos um fluxo constante a partir dos EUA que interpreta mal nossa posição, ou mesmo oferece informações errôneas ao público internacional. E não é apenas uma questão de apreciação errada de onde a Rússia está, o que faz e o que quer. É uma tentativa de construir uma imagem de nosso país como sendo o menino mau da classe”, diz.
Com a chegada de Donald Trump, Moscou manifestou sua esperança de que as relações com Washington melhorariam. “Recebemos bem e sempre o fizemos em relação à declaração de Donald Trump de ir junto com a Rússia. O problema é que essa boa intenção é seguida por muito pouca ação”. Ryabkov considera que a Rússia fez um esforço de aproximação e lamenta que Washington não tenha aceitado o desafio. “Mas também reconhecemos que, dada a atmosfera atual nos EUA e as tentativas de jogar o chamado ‘problema russo’ ou ‘ingerência russa’ como um elemento de sua agenda interna, talvez essa abordagem seja demasiado ambiciosa”. A alternativa, diz, seria encontrar, apesar das sanções, alguns pontos para avançar, como na estabilidade e na segurança. “Também alguns problemas como a Síria, a Coreia do Norte e o Afeganistão”.
OUTRA CRISE DOS MÍSSEIS
A Venezuela é outro dossiê sobre a mesa no confronto com os EUA, no qual nas últimas semanas a questão iraniana se agravou. Ryabkov acusa Washington, que abandonou o acordo nuclear com o Irã e voltou a impor sanções ao país, de pressionar Teerã para “maximizar a tensão”. E de fazê-lo sem oferecer uma alternativa. Salienta que o que aconteceu com o Plano Integral de Ação Conjunta (PIAC), que tentava desativar –durante ao menos uma década– o acesso iraniano à bomba atômica em troca da suspensão das sanções econômicas que asfixiavam o regime e que Rússia, China, Reino Unido, França e Estados Unidos assinaram em 2015 “é um dos momentos mais dramáticos da história recente”. “A maioria da comunidade internacional considerou o plano como um dos acordos internacionais mais equilibrados e menos ambíguos”, lamenta. Nesta semana, Teerã confirmou que já enriqueceu o urânio acima de 3,67%.
O vice-ministro das Relações Exteriores está seriamente preocupado também com o futuro do tratado de desarmamento nuclear de mísseis de alcance intermediário (conhecido como INF), que os Estados Unidos suspenderam em fevereiro depois de acusarem a Rússia de descumpri-lo; Moscou, por sua vez, assinou a saída de um dos principais pactos da Guerra Fria. Ryabkov acredita que o INF “não pode sobreviver” e alerta para o cenário que resta. “Na pior das hipóteses, pode desencadear uma crise comparável à [dos mísseis] cubana de 1962”. Para Moscou seria uma “mudança dramática” se os EUA e seus aliados da OTAN mudassem sua intenção atual e implantassem mísseis de alcance intermediário perto das fronteiras da Rússia.
“Seria um ato desestabilizador (...). Minha esperança é que a razão prevaleça para evitar isso”, diz.
Moscou espera agora que Washington se sente para negociar uma prorrogação de outro acordo nuclear, o conhecido como New Start. Embora ressalte que o diálogo nesse sentido é difícil.
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