Sem padrinho e sem dinheiro: as duas ‘millennials’ que viralizaram o furacão Alexandria Ocasio-Cortez
Conversamos com María Arenas e Naomi Burton, desenhista dos cartazes e diretora dos vídeos da campanha política mais bem-sucedida e caso de estudo do ano. Assim como a mulher do momento, elas são jovens, progressistas e querem mudar o mundo
À esquerda e à direita, o desenho gráfico que mudou as regras do marketing político, por obra da María Arenas e da equipe da Tandem NYC GETTY/ TANDEM NYC
Nunca subestime a garçonete que lhe serve um chope ao sair do trabalho. Essa jovem poderia ser a líder progressista que a política estava esperando. Foi nessa situação que María Arenas, uma designer gráfica de 24 anos de origem filipina, recém-graduada pelo Pratt Institute, se viu há alguns meses. María acabava de ser contratada pela Tandem, uma agência publicitária de Nova York que, conforme conta ao EL PAÍS, baseia sua estratégia “na ideia de que as técnicas de persuasão do marketing e publicidade sejam usadas para promover o bem comum”. Ela e seus chefes, Scott Starrett e Shaun Gillen, costumavam beber cerveja no Flats Six, um restaurante de tacos na Union Square, repleta desses millennials ofendidinhos que desprezam os reacionários acomodados no passado. “Estava no lugar certo na hora certa”, destaca, consciente de que mudou a vida da garçonete do local. A mesma com quem seus chefes tinham se confraternizado, porque sempre acabavam falando de política e da evidente crise de imagem da esquerda. A barwoman era Alexandria Ocasio-Cortez, a jovem do Bronx que virou o grande fenômeno político do ano, flagelo do establishment e agora a deputada mais jovem da história dos EUA. Ocasio contratou a Tandem com um aperto de mãos por trás do balcão, e Arenas foi a encarregada de desenhar seus cartazes virais de campanha para as primárias democratas e, depois de sua surpreendente vitória em junho, também para as eleições gerais para o Congresso. Quase sem recursos econômicos, o caso da campanha de mudança “racial, ideológica e geracional” de Ocasio-Cortez é praticamente um milagre: contava com 300.000 dólares de orçamento (1,13 milhão de reais), apenas um décimo do seu rival direto. E ganhou. Seus cartazes se tornaram um caso de estudo publicitário sobre como se comunicar com sucesso em 2018, e a imprensa elogia seu trabalho como “corajoso e arriscado” (Vox) ou como “o gol da vitória” de Ocasio por “promover um político como se fosse uma nova série da Netflix” (The Washington Post).
O segredo de sua aplaudida viralidade está na tipografia, no uso de cores chamativas e na inclusão do bilinguismo (inglês e espanhol). “Precisávamos de um cartaz que destacasse, que fosse inspirador, que chamasse à urgência política e tivesse uma aura de empoderamento”, observa sua criadora. Enquanto a velha-guarda política insiste em colocar suas fotos sobre listras e estrelas – elementos da bandeira norte-americana – com domínio do azul (cor associada ao Partido Democrata) ou vermelho (Partido Republicano), Ocasio conseguiu chamar a atenção de uma cidade-outdoor como Nova York espalhando cartazes amarelos, e sem esquecer a população latina, dirigindo-se a ela diretamente no seu idioma a partir dos muros da metrópole e das vitrines de lavanderias. “Seu distrito era muito diversificado, 50% da população é hispânica. Pôr frases em castelhano em pé de igualdade com o inglês era uma forma de mostrar que esta campanha se preocupava com todos. Não são uma legenda de foto ou um subtítulo. [Os hispânicos] são uma grande parte do distrito e têm que estar representados.” O imaginário visual se inspirou na propaganda de outros movimentos esquerdistas e inclusive de longe das fronteiras dos EUA, como a do deputado César Chávez, do Arizona, e da ativista Dolores Huerta, ambos hispânicos. “Especificamente, a inspiração veio de um retrato de César Chávez olhando para a direita, como se olhasse para um futuro mais brilhante“, esclarece Arenas.
Assim como Arenas e Ocasio, outra mulher com vontade de mudar o mundo e responsável (parcialmente) pela receita de sucesso viral da campanha foi Naomi Burton, que concebeu, junto com Nick Hayes, uma nova forma de fazer propaganda para a esquerda norte-americana. Através da produtora da qual são sócios em Detroit, a Means of Production, eles foram os responsáveis pelo vídeo da campanha intitulado Courage to Change (“coragem de mudar”). Nele, Ocasio-Cortez diz ter nascido “num lugar onde seu CEP define seu destino” e aparece trocando o tênis pelo salto alto na plataforma da estação do metrô (algo com que milhares de mulheres trabalhadoras da cidade se identificam), comendo em seu sofá ou arrumando-se na frente do espelho em sua casa de pé-direito baixo, num prédio de tijolos aparentes do Bronx. Um sopro de realidade em relação aos vídeos com aparência de blockbuster lançados por outros candidatos, e uma estratégia que lançou as bases da nova comunicação política (o The New York Times a define como “o símbolo da desconexão que os liberais sentiam em relação aos seus líderes”). “Estávamos muito acostumados a ver nossos políticos como milionários afastados da classe trabalhadora. Queríamos mostrar ao público que Alexandria é uma dos nossos. Arruma-se num banheiro como eu e troca os sapatos de salto como a maioria de nós fazemos. Esses planos demonstram que você não precisa ser perfeito nem esperar que alguém lhe diga quando é sua vez. Que diariamente a classe trabalhadora tem o poder”, afirma a realizadora.
Burton trabalhava como publicitária para algumas das 100 empresas que estão no topo da lista da Fortune, mas algo se agitou na sua consciência depois da vitória de Donald Trump na eleição presidencial de 2016. “Estava perdida e procurava respostas, um amigo me falou do grupo Socialistas Democratas pela América, e comecei a frequentar suas reuniões. Percebi que estava ajudando a enriquecer essas companhias ao lhes fazer propaganda. Tomei uma decisão: continuar avançando numa carreira que servisse aos interesses do capital, ou fazer algo a mais?”. A segunda opção prevaleceu.
Em fevereiro de 2018, deixou seu trabalho para a “América corporativa”, e um mês depois fez o que todo millennial faria: vendeu-se profissionalmente por uma mensagem direta no Twitter. Sua destinatária era Alexandria Ocasio-Cortez. “Vi seu vídeo no Facebook e entendi que era uma socialista que não pedia perdão por sê-lo, então lhe enviei uma mensagem privada e lhe expliquei o que era nossa produtora, que também somos socialistas, que não trabalhávamos para grandes empresas e que adoraríamos criar seu vídeo de campanha. Respondeu-nos imediatamente, e um mês depois estávamos gravando em Nova York”, conta, sobre o processo de produção.
O que tem Ocasio-Cortez para que sua mensagem tenha revolucionado a comunicação e a política nos EUA? Arenas, além de mencionar sua capacidade de “liderança” e “carisma”, observa que “vivemos numa era em que as pessoas estão se ativando e esperando uma oportunidade para envolver-se em algo. Alexandria é essa oportunidade”. Para Burton, a chave está na sua “honestidade” e na substituição geracional: “Quase 50% dos millennials nos EUA se identificam como socialistas e democratas, e ela é a primeira política em décadas, além de Bernie Sanders, a se apresentar dessa forma”. Também aplaude sua sacudida de juventude e ousadia frente à “servidão aos 1%” que o Partido Democrata representa atualmente, na sua opinião. “Os candidatos tradicionais só estão agindo porque sabem que seus doadores os estão vigiando. Você não verá esta onda de apoio a Hillary Clinton. Os jovens podem se ver através de políticos como ela.”
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